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O que é a masculinidade tóxica?

28 dez 2024 - 10h35

Influenciadores misóginos vendem cursos sobre como se tornar "um homem de verdade". Andrew Tate, acusado de tráfico humano e estupro, foi um dos primeiros a lucrar com esse modelo.Uma faca está em cima da mesinha ao lado uma rosa azul, provavelmente de plástico. O chamado "influenciador masculino" antifeminista, o anglo-americano Andrew Tate está sentado em uma cadeira de couro com as pernas abertas e os olhos cobertos com um óculos de sol.

"Eu analisei a Terra toda. Tudo", diz ele antes agitar uma espada no ar. Segundo ele, a causa para todos os problemas do mundo seria o fato de poucos homens andaram por aí com uma espada. "Não há homens suficientes como eu, que fazem o que querem", acrescenta. "Eu sou um cara que faz o que quer. E agora quero fumar um charuto, mas é difícil achar o charuto no meio de tanto dinheiro no meu bolso."

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Agora, Tate chega ao cerne de sua "análise", ou seja, quem é realmente culpado por tudo: as mulheres. Tate as chama de "fêmeas". Em sua opinião, as fêmeas manipulam os homens e controlam a sociedade.

"Em todo o processo de vida da fêmea, da cabeça aos pés, ela nunca pensa por ela mesma. Elas são apenas um recipiente vazio esperando para alguém instalar o programa e elas então se tornam conservadoras, liberais, feministas ou o que for", acrescenta Tate no vídeo intitulado "A verdade sobre as mulheres" publicado em 2022 no YouTube.

O vídeo original, assim como Tate foram bloqueados na plataforma. O influenciador, que se declara abertamente misógino - quem odeia e despreza mulheres -, porém, é seguido por mais de 10 milhões de usuários na rede social X (antigo Twitter). No Telegram, seus dois canais são lidos por mais de meio milhão de usuários.

Carros, dinheiro e misoginia

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Para muitos, o influenciador misógino e antifeminista é um sinônimo para a masculinidade tóxica. Mas Tate não é o único exemplo na cultura pop. Segundo o autor e filósofo alemão Ole Liebl, não há uma definição padrão para a masculinidade tóxica.

"Tóxico significa venenoso. O termo descreve homens que se comportam como babacas. Ou seja, um comportamento nocivo, destrutivo ou ofensivo que é codificado por gênero", afirma Liebl.

Ativistas dos direitos das mulheres popularizaram o termo na década de 1980 para descrever um comportamento masculino caracterizado pela dominância e insensibilidade.

Esse termo, porém, incomoda muitos. "Ele contribuiu muito pouco para análises científicas de estruturas patriarcais. Críticos também alertam que ele coloca sob suspeita a masculinidade em geral e prejudica a saúde mental dos homens", afirma Liebl. Uma pesquisa com 255 entrevistados da Universidade Qassim da Arábia Saudita e do Centro para Psicologia Masculina de Londres chegou as mesmas conclusões.

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"É um conceito emocional e conceitos emocionais são importantes para as lutas de libertação. Eles nos ativam. Mas não é útil para a ciência", acrescenta Liebl.

Enriquecendo com misoginia

Tate pode falar muito sobre mulheres, mas elas não são seu público alvo. Ele usa suas redes sociais para atrair clientes para seu site, onde vende cursos on-line, nos quais promete riqueza, sucesso e a libertação da "matrix" para todos por 500 dólares por ano (R$ 3.097).

O modelo atraiu inúmeros imitadores. No X e no YouTube, outros milhares vendem guias e cursos semelhantes para homens. Eles se intitulam "homens alfa" e criam fóruns para discutir como "pegar" mulheres para sexo e como redescobrir a masculinidade.

O fenômeno não se limita ao mundo virtual. Workshops de finais de semana chamados "ser autenticamente masculino" ou "viver a masculinidade" são oferecidos também por influenciadores que se autodenominam coachs ou treinadores de motivação pessoal. Alguns oferecem cursos intensivos de "oito dias de poder masculino por 1.990 euros (R$ 12.846)". Clientes podem pagar em parcelas, informam prestativamente.

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Esses workshops visam supostamente introduzir aos participantes os arquétipos do "homem selvagem, menino interior, guerreiro, e o sedutor".

Epidemia de "salvadores da masculinidade"

No Reddit, é possível ter uma noção de quão problemática é a influência da ideologia pregada por Tate. A plataforma reúne depoimentos de centenas de mulheres, cujos parceiros ou filhos se tornaram fãs de Tate e se radicalizaram.

Uma dessas mulheres que buscam ajuda é a usuária Mystic_Falls36, de 27 anos. Em uma publicação, ela descreve como seu parceiro de longa data passou a consumir o conteúdo de Tate e como ele mudou. Primeiro, ele pediu para ela largar o emprego e virar dona de dona.

Agora que ela está em casa há um ano e grávida de gêmeos, seu parceiro começou a fazer comentários abusivos, como "você fica em casa o dia inteiro e não consegue mantê-la limpa" ou "você tem tempo suficiente para ir para a academia, então vá".

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Com o tempo, os comentários abusivos se tornaram agressões físicas. Na presença da família dele, o fã de Tate deu um tapa na cara dela. "O que eu devo fazer?", pergunta Mystic_Falls36 no Reddit.

Incapaz de se relacionar

Esse comportamento não prejudica apenas mulheres, mas também os próprios homens que agem dessa maneira. Vários estudos atribuíram a esses homens menores índices de inteligência emocional, maior agressividade, taxas de suicídio mais altas, menos amigos próximos e menos consultas de saúde.

Segundo Liebl, esse comportamento também resulta na incapacidade de se envolver em relacionamentos íntimos e significativos.

Em 2022, Andrew Tate e seu irmão Tristan foram presos em Bucareste, na Romênia, acusados de estupro, tráfico humano e formação de uma organização criminosa. Eles teriam aprisionado mulheres simulando ter sentimentos por elas, antes de as forçarem a produzir filmes pornográficos. Os crimes teriam acontecido na Romênia, nos Estados Unidos e no Reino Unido.

Os irmãos ainda são acusados de lavagem de dinheiro e evasão de divisas pela Justiça britânica. Eles negam todas as acusações.

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Em 19 de novembro, a Justiça romena devolveu o caso para a promotoria devido a erros processuais. A decisão evita que os dois sejam processados no momento.

A Deutsche Welle é a emissora internacional da Alemanha e produz jornalismo independente em 30 idiomas.
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