Não é de hoje que o Brasil se depara com artistas que enveredam pela religião enquanto têm as escolhas questionadas. As escolhas de cada um dos famosos dizem respeito apenas a eles desde que não afetem seu público. Ou seja: torna-se aceitável para parcela da sociedade que um conservador pai de família tenha dançarinas seminuas no palco, mas no discurso seja antifeminista, para citar apenas um dos exemplos. O que chama a atenção, entretanto, é quando alguém desrespeita a cultura que lhe deu uma carreira. É do que vem sendo acusada Claudia Leitte.
Durante uma apresentação, a cantora alterou a letra da canção "Caranguejo". No lugar de Iemanjá, passou a citar Yeshua, que significa Jesus em hebraico. As escolhas pessoas de Claudia dizem respeito apenas a ela, mas ao trocar o nome de um orixá como se fosse probido ou ofensivo, a artista fere uma religião inteira. Crença essa, que, aliás, deu origem ao ritmo que canta. A palavra "axé", antes tratada como pejorativa por cristãos foi apropriada e ressignificada por quem segue credos advindos de matrizes afriacanas.
Nesta terça-feira (17), Pedro Tourinho, secretário de cultura de Salvador, foi às redes sociais falar sobre como esse tipo de troca de palavras fomenta a intolerância religiosa e o racismo. "Quando um artista se diz parte desse movimento, saúda o povo negro e sua cultura, reverencia sua percussão e musicalidade, faz sucesso e ganha muito dinheiro com isso, mas, de repente, escolhe reescrever a história e retirar o nome de orixás das músicas, não se engane: o nome disso é racismo, e é o surreal e explícito reforço do que houve de errado naquele tempo", escreveu.
E Pedro está certo. Claudia Leitte bebe da fonte, mas não a celebra. Apaga toda a ancestralidade de seu ritmo com atitudes como essa. Se sua religiosidade é um fator tão preponderante a ponto de fazê-la alterar o trabalho de compositores e ir contra a cultura que a deixa famosa, talvez ela devesse abrir mão de seguir no axé. Faria mais sentido iniciar sua carreira na música gospel. Certamente seria bastante ouvida e celebrada. E deixaria menos pessoas ofendidas.