O encarceramento no Brasil e no mundo tem cor. Só no nosso país, segundo dados divulgados em novembro de 2020 pelo Anuário Brasileiro de Segurança Pública, em 15 anos, a proporção de negros na prisão subiu 14%, enquanto a de brancos caiu 19%. Dois em cada três presos no Brasil são pretos. Não é de se surpreender, portanto, que o tema tenha capturado a atenção do diretor Anthony Mandler para Monstro.
No longa, um jovem adolescente preto talentoso se vê envolvido em um roubo seguido de morte e luta para provar sua inocência contra um sistema judiciário que já o condena. O filme marca a estreia de Mandler, já conhecido diretor de videoclipes dos Estados Unidos, e é uma adaptação no livro homônimo de Walter Dean Myers. Lançado no Festival Sundance de Cinema em 2018, Monstro está disponível para o público desde a última semana pela Netflix. O período não poderia ser mais propício.
Em abril deste ano, o policial que matou George Floyd por sufocamento foi condenado, em maio, há poucos dias, o Rio de Janeiro foi palco para uma das mais sangrentas chacinas de sua história, durante operação policial na favela do Jazarezinho, zona norte da cidade. Não há consenso sobre o número de mortos, mas um terço das vítimas não era alvo de processos no Tribunal de Justiça. O corpo preto é sempre o alvo, independente de sua classe social.
Nesse sentido, o filme de Mandler contribui com as discussões raciais que têm permeado o noticiário e nosso cotidiano. A partir de uma realidade de relativo privilégio, Steve Harmon (Kelvin Harrison Jr.) mostra que continua vítima de um sistema racista velado que já considera o preto culpado antes do julgamento. O que, claro, não é novidade. O que diferencia o trabalho do cineasta para os demais é como Anthony orientou a sua obra.
Monstro é uma metalinguagem. Como Steve é aspirante a cineasta, por vezes ele assume o papel de narrador para dividir com o público os sentimentos do cárcere. O filme não é contado de forma linear e conta com flashbacks que misturam alguns estilos de fotografia. Não é o ponto alto do longa, que dá lugar a sequências mais artísticas em vez de dar de se aprofundar em questões que dariam mais peso ao debate, como a ausência da perspectiva dos pais de Steve, brilhantemente interpretados por Jennifer Hudson e Jeffrey Wright.
Ainda assim, na medida em que se propõe questionar o olhar viciado quando escancara o racismo da sociedade e as falhas do sistema judiciário, Monstro traz uma interessante crítica sobre o punitivismo.
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