A lista de produções audiovisuais inspiradas em crimes reais é longa. O brutal assassinato da família Clutter, em 1959, no interior do Kansas (EUA), inspirou o livro 'A Sangue Frio, de Truman Capote, inaugurando também o jornalismo literário. O livro, que reconstitui o crime a partir da investigação e depoimentos coletados por Capote, transcendeu o seu sucesso literário, ganhando diversas adaptações para as telas, entre elas 'Capote' (2005) com a brilhante e premiada atuação de Philip Seymour Hoffman.
Já a coleção de roupas e acessórios feitos a partir de restos humanos mantida pelo perturbado Ed Gein, serial killer norte-americano, inspirou personagens como Norman Bates ('Psicose'), Leatherface ('O Massacre da Serra Elétrica') e Buffalo Bill ('O Silêncio dos Inocentes'). Produções mais recentes como a franquia 'American Crime Story' também se debruçaram sobre histórias reais de crimes como o assassinato do estilista italiano Gianni Versace e o polêmico julgamento de O. J. Simpson - defendido em juízo pelo patriarca da família Kardashian.
Tragédias e crimes hediondos não faltam na história brasileira. Esses crimes, no entanto, raramente são adaptados para narrativas audiovisuais o que torna o gênero true crime nacional ainda tímido. Ao levar o assasinato de Marísia e Manfred von Richthofen para as telas nos filmes 'A Menina Que Matou os Pais' e 'O Menino Que Matou Meus Pais', o cineasta Maurício Eça trilha caminho pelo gênero relativamente não explorado no País.
Os dois filmes estreiam nesta sexta-feira, 24, na Amazon Prime Video, e são inspirados no crime de 31 de outubro de 2002, quando os pais de Suzane foram mortos a pauladas. Em pouco mais de 160 minutos, cada longa tem em média 80 minutos de duração, o brutal 'Crime da Rua Zacarias de Góes' é apresentado a partir das perspectivas antagônicas de seus autores: Suzane von Richthofen, interpretada por Carla Diaz, e Daniel Cravinhos, interpretado por Leonardo Bittencourt. O elenco traz ainda Leonardo Medeiros, Vera Zimmermann e Allan Souza Lima que interpretan Manfred von Richthofen, Marísia von Richthofen e Christian Cravinhos, respectivamente.
Inspirado nos autos do processo, os filmes têm os roteiros assinados por grandes nomes do gênero true crime nacional, Ilana Casoy e Raphael Montes, apesar disso é justamente no quesito roteiro que as produções deixam a desejar. Ao tomar como "verdade" ou base narrativa os trechos dos depoimentos de Suzane e Daniel já refutados pela Justiça, durante o julgamento de 2006, os filmes perdem a oportunidade mergulhar na complexa rede de desejos, frustrações, mentiras e acusações já exaustivamente emiuçadas pela Justiça, peritos e até mesmo a mídia sobre o crime.
O elenco e a composição das cenas são bem sucedidos ao mostrar as perspesctivas distintas de Suzane e Daniel sobre as motivações do crime, ainda que a partir de uma dicotomia pra lá de simplista entre bem versus mal: Suzane manipuladora seduz com mentiras o namorado e o convence a matar o pais ou Suzane virginal, inocente e doce é manipulada pelo namorado interesseiro e abusivo. A química entre Carla Diaz e Leonardo Bittencourt, além da atuação de Leonardo Medeiros, também são pontos altos dos filmes. No entanto, aqueles interessandos em uma perspesctiva menos superficial sobre o 'Caso Richthofen' podem recorrer aos diversos documentários, programas especiais e entrevistas já dedicados ao tema.