De tempos em tempos, Anitta suscita choque na tradicional família brasileira. A cantora declaradamente bissexual fala com quem transou, detalha o tamanho preferido de pênis, comenta fantasias, aponta com quais pessoas ainda quer fazer sexo, entre outras intimidades.
A música em espanhol ‘Envolver’, que a levou ao topo do Spotify e da Billboard, tem letra explícita. Alguns trechos: “Faz um tempo que quero te comer”, “E em cinco minutos você vai gozar”, “Sexo e álcool / O que acontecer, não sai daqui”.
Os conservadores se enfurecem com tamanha ousadia verbal e comportamental. Progressista na política, Anitta é execrada por direitistas e discípulos de Jair Bolsonaro. A funkeira já discutiu algumas vezes com o presidente e seus aliados no Twitter.
Para que a cantora usufruísse de tamanha liberdade de expressão e autonomia sexual, outras famosas precisaram dar a cara a tapa em décadas passadas. Foram precursoras da luta contra o machismo, o sexismo e a misoginia. Madonna deu, sem dúvida, a maior contribuição.
A norte-americana de família católica, nascida e criada no conservador estado do Michigan, fazia um discurso ainda mais ousado na década de 1980, quando a pauta da equidade de gênero não tinha tanta força na mídia e na política. “Sou dura, ambiciosa e sei exatamente o que eu quero. Se isso faz de mim uma puta, ok”, dizia.
Em 1992, Madonna gerou um terremoto na sociedade global ao lançar o livro ‘Sex’, junto com o álbum ‘Erotica’. A obra com fotos dos celebrados Steven Meisel e Fabien Baron trazia a cantora em poses provocantes, sozinha e acompanhada, e imagens de nudez.
Uma “pornografia leve”, como definiram na época, com destaque para simulações de sadomasoquismo, homossexualidade, ménage à trois e orgias. Para ler, textos eróticos. ‘Sex’ foi um sucesso instantâneo, vendeu 150.000 cópias em 24 horas.
Considerado ‘imoral’, era vendido em uma embalagem lacrada para evitar que fosse folheado em público nas livrarias e bancas. Movimentos religiosos e grupos feministas se revoltaram contra a cantora. Parte da imprensa reprovou o conteúdo do livro. “Madonna foi longe demais”, escreveram alguns críticos.
Exatamente. A estrela pop ousou romper fronteiras, transgredir, desafiar as convenções daquele tempo e se projetar em um futuro menos opressor. Hoje, ‘Sex’ é considerado uma obra de arte, virou artigo de colecionador. Poucos exemplares são oferecidos na internet. Preço: R$ 2 mil.
Adolescentes e jovens que se acham modernos, hedonistas e libertários por fazer dancinha sensual no TikTok não têm ideia da importância de Madonna no passado para que hoje as mulheres e os membros da comunidade LGBTQIAP+ vivam a sexualidade com mais independência e respeito.
Se agora Anitta pode chacoalhar livremente a ‘raba’ nos clipes e shows, e incentivar o prazer sem culpa e o amor livre, Madonna foi obrigada a peitar o mundo a fim de abrir caminho por meio de músicas provocativas, figurino punk, comportamento vanguardista e a defesa inflexível do poder feminino.