“Onde há predisposição para antipatia jamais faltará motivo”, escreveu a inglesa Jane Austen, autora de clássicos como ‘Orgulho e Preconceito’ e ‘Razão e Sensibilidade’. As duas obras, aliás, renderam bons filmes.
Em ambos os romances, a questão do status social e da aceitação pública conduzem os personagens. Tudo a ver com o momento de Luciano Huck na carreira artística. O sucessor de Faustão no domingo da Globo paga o preço por ser quem é.
Branco, judeu, bem-nascido, famoso, milionário, com uma linda família, aparentemente feliz, politicamente equilibrando-se entre o centro e o progressismo, com ambições eleitorais, todo-poderoso na Globo. Um alvo perfeito para ataques de todos os lados a partir dos mais variados preconceitos.
Há no ar uma antipatia tangível contra Huck. A escolha dele para substituir Fausto Silva, que havia desbancado Silvio Santos como ‘rei do domingo na TV’, desagradou muita gente. A torcida contra agora fica ainda maior pela maneira como a Globo depreciou Faustão.
Após quase 33 anos no ar, o apresentador sequer teve a oportunidade de se despedir de seu público fiel. A emissora vai simplesmente ‘apagá-lo’ da programação. Descarte inaceitável. Testado e aprovado, Tiago Leifert ficará no comando do horário até a chegada de Huck, no começo de 2022.
O desafio de Luciano, que já era gigantesco, torna-se hercúleo. O tratamento indelicado a Fausto Silva dificulta a vida do criador do bordão “loucura, loucura, loucura”. Impossível dissociá-lo da atitude grosseira da Globo. Ele herda não apenas o lugar de Fausto, mas também o ranço produzido pelo canal em boa parte dos telespectadores.
Para piorar o quadro, Huck se manteve em silêncio, sem sinalizar solidariedade em público ao colega defenestrado a quem irá suceder. Não custava postar um tweet simpático a Faustão. Pensando bem, o custo seria alto: desagradar a cúpula da direção artística da Globo. Amigos, amigos, negócios à parte.
Ao estrear, Luciano vai precisar driblar a sombra de Fausto Silva, enfrentar a predisposição dos desafetos em criticá-lo, imprimir personalidade própria a um programa novo, reinventar-se para falar com um público mais amplo e heterogêneo, e enfrentar a animosidade dos radicais ideológicos por conta de sua atuação nos bastidores da política.
Um desafio múltiplo que nenhum herói de Jane Austen ousaria aceitar. Vai precisar muito mais do que sorte.