Autor que morreu magoado com Globo recupera prestígio após triste fim de carreira

Gilberto Braga volta a ser comentado com a reprise de ‘Corpo a Corpo’ e o remake de ‘Vale Tudo’

27 mai 2024 - 09h29

Gilberto Braga está sendo vingado com o resgate de seu status. O autor morreu em outubro de 2021, aos 75 anos, de infecção e complicações relacionadas ao Alzheimer. 

A partir de 24 de junho, o Canal Viva exibirá sua novela ‘Corpo a Corpo’, nunca reprisada desde a transmissão em 1984. O retorno da obra ressalta a importância do autor na abordagem de temas espinhosos. 

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Na trama, o casal inter-racial vivido por Marcos Paulo (Cláudio) e Zezé Motta (Sônia) suscitou na época uma onda de racismo contra a atriz e reclamações de conservadores à Globo. 

Quarenta anos depois, tal discussão na teledramaturgia ainda é atual e necessária, já que a discriminação racial e o estranhamento pelo casamento de uma pessoa branca com uma preta ainda são gritantes no Brasil. 

Branco de classe média, Braga sempre abordou em seus roteiros o racismo e outras mazelas coletivas, como a LGBTfobia e a desigualdade social. Suas tramas e personagens não perdem relevância. 

Outra prova disso é ‘Vale Tudo’, de 1988, considerada uma das melhores novelas de todos os tempos, escrita em parceria com Aguinaldo Silva e Leonor Bassères. Falava de honestidade, corrupção, diferença de classes, entre outros temas contemporâneos. 

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A Globo prepara um remake para 2025, quando completará 60 anos de fundação. Com script atualizado por Manuela Dias, a homenagem é válida, porém, difícil imaginar que a nova versão conseguirá superar a original. 

No início do ano, a editora Intrínseca lançou ‘Gilberto Braga – O Balzac da Globo’, biografia iniciada pelo jornalista Artur Xexéo, que morreu no meio do trabalho, e finalizada pelo crítico de TV Maurício Stycer. 

O merecido avivamento do novelista na mídia, quase três anos após sua morte, reforça a lembrança de seu injusto fim de carreira na Globo. Ele levou consigo algumas mágoas em relação à emissora onde trabalhou por quase 50 anos. Uma delas foi pelo cancelamento de um projeto bastante sonhado. 

Braga queria fazer uma minissérie sobre o maestro e cantor Tom Jobim em memória aos 10 anos da morte dele. Planejou 20 capítulos para retratar a história do artista ao longo de cinco décadas, dos anos 1950 até 1999. 

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Duração semelhante à de produções de igual formato escritas por ele, que foram sucesso de público e crítica: ‘Anos Dourados’, ‘O Primo Basílio’ e ‘Anos Rebeldes’. 

Temerosa pelo orçamento gigantesco e o suposto baixo apelo de audiência, a emissora propôs uma microssérie de 4 capítulos. O dramaturgo ficou indignado e se recusou. 

Depois disso, Gilberto Braga teve pelo menos outros 3 trabalhos engavetados: a novela das 18h ‘Fogueira das Vaidades’, a trama para as 23h ‘Intolerância’ e uma minissérie sobre Elis Regina. 

Como ele estava sob contrato, esse material inédito pertence à Globo e ainda pode ser utilizado. Por enquanto, o canal não sinaliza a intenção de aproveitá-lo. 

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A última produção assinada por Gilberto foi ‘Babilônia’, novela atacada por reacionários em um movimento que sinalizou o caminho de metade do país à era Bolsonaro. 

As lésbicas idosas interpretadas por Fernanda Montenegro (Teresa) e Nathália Timberg (Estela) se beijando na boca logo no primeiro capítulo geraram onda moralista contra a produção. 

Em 2015, em entrevista a Roberto D’Ávila na GloboNews, Montenegro apontou outra causa da repulsa de parte dos telespectadores. 

“É a primeira novela em que dois terços do elenco é de atores negros, que não são subservientes, que ascendem por um esforço próprio enorme, e que se casam de uma forma muito miscigenada”, argumentou a atriz. 

“... querem ver o negro não sei onde, um caso aqui outro ali numa novela, mas uma frente de negritude ganhando espaço numa novela das nove? Nunca houve e ninguém fala isso.” 

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Amparado por pesquisas de opinião com o público paulista, onde o Ibope faz a maior aferição de audiência no país, o autor promoveu mudanças, sem resultados expressivos nos índices. 

Nos seis anos seguintes, Gilberto Braga tentou, mas não conseguiu emplacar outra criação na teledramaturgia da Globo. Subaproveitamento inaceitável. 

Pela valiosa contribuição à televisão e a debates sociais, não merecia terminar a carreira de maneira tão frustrante e melancólica. Resistente ao tempo, sua obra faz justiça a ele. 

No Globoplay, é possível ver ou rever ‘Escrava Isaura’, ‘Dancin’ Days’, ‘Pátria Minha’, ‘Força de um Desejo’, ‘Celebridade’, ‘Insensato Coração’ e outros trabalhos assinados pelo dramaturgo. 

Está disponível também a série documental em 3 episódios ‘Meu Nome é Novela’, sobre suas principais realizações na TV.

Gilberto Braga injetou sofisticação e debates sociais em suas novelas e séries na Globo
Gilberto Braga injetou sofisticação e debates sociais em suas novelas e séries na Globo
Foto: Otávio Magalhães/Estadão Conteúdo
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