Um desentendimento entre Carlos Alberto Sardenberg e Guga Chacra a respeito da Ucrânia, no ‘Em Pauta’ de quinta-feira (3), fez a Globonews virar manchete na imprensa e ser comentada nas redes sociais.
Não assistimos a uma briga, como alguns veículos propagaram. Foi uma saudável discordância. Especialista em geopolítica, Guga ‘ousou’ apresentar uma visão realista a respeito do poder político e bélico da Rússia e contestar Países como a Ucrânia, que tomam decisões – como pleitear entrada na União Europeia e na Otan – sem considerar a previsível reação de seu vizinho, uma potência nuclear que se opõe ao poderio ocidental.
Sardenberg se irritou exageradamente. Guga sequer o contestou, apenas ampliou a discussão do tema. A reação do veterano (“Não precisa me dar lição disso, tá? É uma teoria conhecida, eu conheço muito bem isso aqui.”) foi desproporcional ao clima do debate. Aliás, eles nem debatiam, somente comentavam.
Ao se ver atacado, Guga usou a réplica para esclarecer seu argumento. Sardenberg tentou falar ao mesmo tempo. Foi nesse momento que o correspondente em Nova York se irritou. “Eu tô falando agora”, disse Guga. Ele teve razão em reclamar da tentativa de intervenção, já que ficou em silêncio durante a explanação do colega.
A repercussão dessa falsa polêmica ressalta justamente o maior problema editorial da GloboNews: a falta de pluralidade. Às vezes, a emissora coloca até 6 comentaristas no ar ao mesmo tempo e, surpreendentemente, todos apresentam o mesmo pensamento sobre o assunto em discussão. Falta a necessária divergência que promova a diversidade de interpretações e ideias a respeito de fatos e figuras públicas. Uma regra básica do jornalismo é o contraditório.
No dia 1º de janeiro de 2021, episódio semelhante também gerou eco na mídia e na internet. No mesmo ‘Em Pauta’, os comentaristas Gerson Camarotti e Demétrio Magnoli discutiram por defender posições opostas em relação às regras de distanciamento social impostas pela pandemia de covid-19. Os dois pontos de vista eram interessantes, lamentavelmente, o ‘climão’ ofuscou o debate. O que deveria ser rotina – o embate democrático de opiniões distintas – é exceção e suscita espanto.
O jornalismo da GloboNews se apresenta explicitamente progressista, anti-Bolsonaro, anti-direita e, agora, anti-Putin. Um canal pode assumir posições ideológicas sem que isso afete sua credibilidade, basta sempre abrir espaço para ‘o outro lado’. Tentou-se isso na madrugada do dia 24 de fevereiro, quando o historiador brasileiro Rodrigo Ianhez, radicado em Moscou, analisou a Guerra da Ucrânia a partir das alegações de Vladimir Putin.
Na sequência, o correspondente Jorge Pontual não disfarçou seu descontentamento com o que ouviu. “Ele se diz historiador e não sabe história”, afirmou. Uma grosseria gratuita. No Twitter, Ianhez contou que a própria produção da GloboNews pediu sua interpretação do conflito sob a ótica do governo russo. O entrevistado disse ter recebido um pedido de desculpas dos produtores que o convidaram.
Na maior parte de seus 25 anos no ar, a emissora do Grupo Globo reinou absoluta na TV paga. Hoje, concorrentes começam a estremecer sua liderança no ranking da Kantar Ibope. Mais pluralista, a CNN Brasil cresce em audiência com a cobertura da Guerra da Ucrânia. O telespectador quer e merece receber todos os ângulos da notícia.