Foi na mesma cidade de Atlanta onde ocorreram vários protestos pela morte por asfixia do segurança negro George Floyd e manifestações em reação à morte por tiros do também afro-americano Rayshard Brooks, ambos vitimados por policiais, que aconteceu a estreia de E o Vento Levou em 15 de dezembro de 1939. Detalhe: os atores negros do filme não puderam comparecer à première por conta da lei de segregação racial vigente em estados sulistas da América.
Oitenta e um anos depois, apenas uma atriz da épica produção está viva. A britânica Olivia de Havilland completará 104 anos no dia 1.º de julho. Ela interpretou a aristocrata Melanie Hamilton. A personagem morre de complicações do parto na metade do filme. Entre os atores principais de E o Vento Levou, cinco morreram precocemente, antes dos 60 anos. O diretor Victor Fleming, o roteirista Sidney Howard e a escritora Margaret Mitchell, autora do livro que originou o longa-metragem, também não atingiram essa idade.
O primeiro do elenco a morrer foi Leslie Howard, aos 50 anos, intérprete de Ashley Wilkes, o eterno apaixonado por Scarlett O´Hara. O avião em que estava foi alvejado por bombardeiros nazistas em 1.º de junho de 1943, durante a Segunda Guerra. O artista voltava para seu País de origem, a Inglaterra, após atuar como embaixador da cultura britânica em eventos na Espanha e em Portugal. Deixou um filho, Ronald (1918-1996), que também fez carreira como ator.
Em 4 de janeiro de 1949, Oscar Polk morreu após ser atropelado por um táxi em Times Square, no coração de Nova York. Tinha completado 49 anos dias antes. Ele se prepara para estrear uma peça de teatro. No filme que o projetou, foi o leal escravo Pork, que permaneceu servindo ao clã O´Hara na lendária propriedade Tara mesmo após o fim da escravidão. O artista usou pesada maquiagem para ressaltar o envelhecimento e o suplício de seu personagem ao longo da história. Ele deixou um filho, Oscar Jr.
Três anos depois, em 26 de outubro de 1952, um ícone do elenco morreu em consequência de câncer de mama, aos 57 anos. Hattie McDaniel escreveu seu nome na história ao se tornar a primeira afroamericana a ganhar um Oscar. Sua atuação da escrava e babá de sinhazinha Mammy emocionou plateias mundo afora. Ela sofreu preconceito racial até na hora de receber a estatueta (foi mantida fora do salão nobre onde ocorria a premiação até ter o nome anunciado no palco). Discriminada também ao morrer: o dono do cemitério onde a atriz desejava ser enterrada, ao lado das lápides de amigos atores, se recusou a sepultar o caixão de uma pessoa negra onde só haviam túmulos de brancos. Hattie se casou quatro vezes, mas não teve nenhum filho.
Na história de Hollywood, Clark Gable personaliza o galã cafajeste. Em uma das cenas mais famosas de E o Vento Levou, seu personagem, Rhett Butler, abandona Scarlett O'Hara e diz uma frase que chocou a plateia: "Francamente, minha querida, eu não dou a mínima". No original, a frase tem a palavra 'damn', vista como palavrão de baixo calão naquela época. Gable morreu em 16 de novembro de 1960, aos 59 anos, de ataque cardíaco. Deixou dois filhos, um deles nascido quatro meses após seu enterro. Uma das lendas em relação ao astro é que ele teria enfartado em razão do estresse sofrido ao contracenar com a temperamental Marilyn Monroe em Os Desajustados, último filme completo da diva, encontrada morta em agosto de 1962.
A grande estrela do longa-metragem também viveu pouco. Vivien Leigh deixou o mundo em 8 de julho de 1967, aos 53 anos, em consequência de complicações de tuberculose. Sua personagem, Scarlett O´Hara, figura como a maior heroína de todos os tempos no cinema. É dela uma das mais famosas falas da sétima arte — "Jamais sentirei fome novamente" — acompanhada de dramático movimento de câmera (traveling). Durante o longo processo de escalação, Vivien não era a preferida. Várias outras estrelas foram cogitadas para o papel. Contudo, a atriz britânica nascida na Índia demonstrou inabalável autoconfiança. "Eu me escolhi como Scarlett O´Hara", dizia. Deu certo. Ganhou a grande chance na carreira e seu primeiro Oscar. O segundo foi por encarnar Blanche DuBois em Um Bonde Chamado Desejo. Teve uma filha, Suzanne Farrington (1933-2015), que também seguiu carreira artística.