“Acabou a entrevista”, disse Jair Bolsonaro, rispidamente, e saiu de cena. O fato ocorrido dias atrás em Rio Branco, no Acre, foi repercutido em vários telejornais, incluindo o ‘Jornal Nacional’. O presidente encerrou a coletiva ao ouvir a pergunta do jornalista João Renato Jácome, que representava ‘O Estado de S. Paulo’, a respeito de decisão do STJ (Superior Tribunal de Justiça) de anular quebra de sigilos do filho mais velho dele, o senador Flávio Bolsonaro, na investigação de suposto esquema de ‘rachadinhas’ na Assembleia Legislativa do Rio. Punido pela coragem de perguntar, o jovem freelancer acabou exonerado do cargo de chefe de gabinete da Secretaria do Meio Ambiente da capital acreana.
Foi mais um conflito de Bolsonaro com repórteres. Ao ser contestado diante das câmeras, ele já disse “cala a boca” ou “calem a boca” incontáveis vezes. A lista de atritos com a imprensa é extensa e variada. Selecionamos algumas das mais polêmicas:
Em 23 de agosto de 2020, nas proximidades da Catedral de Brasília, um repórter de ‘O Globo’ (jornal frequentemente criticado pelo presidente) perguntou a respeito dos R$ 89 mil em cheques que teriam supostamente sido depositados pelo ex-assessor parlamentar Fabrício Queiroz em conta da primeira-dama, Michelle. Inicialmente, Bolsonaro disse que não iria responder. Depois, foi tomado pela irritação. “Eu vou encher a boca desse cara na porrada”, avisou. Em seguida, completou: “Minha vontade é encher tua boca na porrada”. A cena, gravada por celulares e câmeras de TV, foi exibida em alguns telejornais.
No dia seguinte, em cerimônia no Palácio do Planalto, o presidente afirmou que o propagado histórico de militar o deixaria mais resistente ao novo coronavírus na comparação com jornalistas. “Aquela história de atleta, né, que o pessoal da imprensa vai para o deboche, mas quando pega (covid-19) num bundão de vocês, a chance de sobreviver é bem menor”. A insinuação de que âncoras e repórteres seriam bundões e mais suscetíveis à doença teve ampla repercussão na mídia.
No dia 27 de janeiro deste ano, em almoço numa churrascaria do DF, Bolsonaro voltou a atacar a imprensa. Mostrou-se irritado com as manchetes sobre os R$ 15 milhões gastos pelo governo com a compra de leite condensado, um de seus doces preferidos. “Leite condensado? Vai pra p*** que pariu! É para enfiar no rabo de vocês, da imprensa”, falou ao microfone. Provocou risos e aplausos — e foi duramente criticado por comentaristas políticos na TV.
A capacidade de a imprensa despertar a ira de Jair Bolsonaro é bem anterior ao início de seu mandato presidencial. Em 2014, durante debates a respeito dos 50 anos do golpe militar, o então deputado se descontrolou com uma repórter da RedeTV! em coletiva, no Rio. Ele foi questionado a respeito da defesa enfática que sempre fez das ações de seus pares no Exército. “A história está contra o que diz (o senhor)”, comentou a jornalista. “Você é uma idiota, aprendeu onde isso aí?”, disse Bolsonaro, alterado. “Vai contra suas mentiras, você quer forçar a barra, é uma analfabeta. Não atrapalhe seus colegas (jornalistas). Está censurada.” Na ocasião, a âncora do ‘SBT Brasília’ Williane Rodrigues classificou a cena como “baixaria”.
Outros presidentes também se desentenderam seriamente com jornalistas — Dilma Rousseff chegou a se exaltar com um jornalista da emissora Al Jazeera, do Catar. Outro caso famoso, com cobertura da mídia, aconteceu em 2004. Lula se revoltou com uma matéria do correspondente no Brasil do ‘The New York Times’, Larry Rotter. O texto citava preocupação geral no País com o hipotético consumo excessivo de álcool do petista. O então chefe do Executivo teria cogitado a suspensão do visto de residência do repórter americano. Um salvo-conduto do STJ (Superior Tribunal de Justiça) garantiu a permanência dele no Brasil.