O primeiro episódio da série documental sobre Anitta na Netflix chocou fãs e gerou estrondosa repercussão na imprensa. A cantora revelou ter sido vítima de violência sexual aos 14 ou 15 anos, da parte de um rapaz “autoritário” em uma “relação abusiva”.
No trecho mais dramático do depoimento, a artista contou detalhes. “Quando cheguei lá, eu realizei que não era certo eu fazer aquilo por medo nem nada. Eu falei que não queria mais, mas ele não ouviu. Ele não falou nada. Ele só seguiu fazendo o que queria fazer. Quando ele acabou, ele saiu, foi abrir uma cerveja, e eu fiquei olhando assim pra cama cheia de sangue.”
Como a maioria das vítimas de crimes sexuais, Anitta sofreu com contestações e autopunição. “Faz muito pouco tempo que parei de achar que isso é culpa minha. Faz muito pouco tempo que eu parei de achar que eu causei isso pra mim. Sempre tive medo do que as pessoas iam falar.”
O blog ouviu o psicólogo Alexander Bez a respeito. Ele possui especialização em relacionamentos pela Universidade de Miami (UM) e em Ansiedade e Síndrome do Pânico pela Universidade da Califórnia (UCLA).
Em um momento do desabafo na série, Anitta diz imaginar o que muitas pessoas pensam: “Como ela pode ter sofrido isso (o estupro) e hoje ser tão sexual, ser tão aberta?”. Como esse tipo de violência afeta diferentes perfis de mulheres?
O estupro prejudica todo o trato psicológico e sexual da vítima. Mulheres mais jovens acabam sofrendo mais com o trauma em relação a vítimas adultas. Um trauma infantil pode gerar sequelas muito resistentes em toda a esfera psicológica e sexual. Muitas mulheres perdem a autoestima, a libido, sofrem despersonalização e até mesmo dissociação da consciência. O estupro pode ocasionar uma associação inconsciente com as relações sexuais (consentidas), resultando em um estresse pós-traumático. Algumas vítimas são levadas a comportamentos sexuais extremos. Esse tipo de abuso afeta a forma como essas mulheres veem o sexo. Tal comportamento está ligado a vários fatores do trauma, mas também à personalidade e às crenças da vítima. Como Anitta, algumas mulheres conseguem se defender sobre o acontecido, se posicionam e acabam tendo consciência de que o ocorrido não tem nada a ver com elas e voltam a ter uma vida sexual saudável, a se sentirem desejadas, sensuais etc. Mas a maioria das mulheres sofre muito após o abuso e leva mais tempo para fortificar o psicológico.
Qual o provável impacto em vítimas anônimas de crimes sexuais quando famosas, a exemplo de Anitta, vêm a público revelar o que sofreram?
Apesar do quadro grave de lesão psicológica e a sensação de angústia, a exposição do tema, quando tratado na mídia com maturidade e respeito, é positivo. A Anitta servirá como um exemplo de superação e força para muitas outras vítimas. Quando pessoas públicas abrem suas vidas e mostram fragilidades, as consequências são imediatas. No caso de um abuso, a vítima pode se sentir encorajada a falar sobre o acontecido, se abrir a especialistas na busca por um tratamento e até mesmo conversar sobre o que aconteceu com a família e os amigos.
Falar abertamente sobre a violência sexual ajuda no tratamento das sequelas emocionais?
Não só ajuda como motiva outras vítimas a se conscientizarem sobre o trauma. O ‘colocar para fora’ contribui para a compreensão do ocorrido e o alívio da culpa. A catarse faz bem à alma. O ideal é que a vítima seja acompanhada por um profissional (de saúde mental) nessa fase.
Na sua avaliação, como psicólogo, a liberdade sexual de Anitta representa um avanço na luta da mulher contra o machismo ou mera hipersexualização do corpo feminino na mídia?
O machismo é uma instituição em decadência. A Anitta personifica a luta das mulheres por sua independência. Há muitas vozes contra Anitta, mas há muito mais gente que a apoia. Querendo ou não, a artista representa a liberdade e o avanço da luta feminina.