Nas temporadas de 2013 e 2015 do ‘Programa do Jô’, duas das entrevistas com maior repercussão foram com Arthur Haroyan. O carisma do jovem que deixou a Armênia para viver no Brasil, impulsionado pelas novelas da Globo, encantou o apresentador e o público.
Há 13 anos em São Paulo, o fã de ‘A Escrava Isaura’ registrou lembranças de sua trajetória no livro ‘O Armênico’ (The Books). Os capítulos da obra têm nomes de folhetins de sucesso, como ‘Mulheres de Areia’, ‘Órfãos da Terra’, ‘Por Amor’, ‘Do Outro Lado do Paraíso’ e ‘Sonho Meu’.
Aliás, o sonho de ser ator o fez passar por muitos sacrifícios, como enfrentar a resistência da família tradicional e aprender o português para trabalhar na ‘terra das novelas’. Com esforço, conseguiu realizar o seu ‘brazilian dream’: o jovem emigrante que já ganhou a vida distribuindo folhetos na Rua das Noivas, na capital paulista, hoje é um cidadão brasileiro com vários trabalhos no teatro, na publicidade e na TV.
Em conversa com o blog, Arthur Haroyan contou um pouco mais de sua novelesca história de vida.
Você tinha qual idade quando começou a assistir novelas brasileiras na Armênia? Quais foram as primeiras?
Eu tinha 5, 6 anos quando começou ‘A Escrava Isaura’. Foi a primeira novela brasileira exibida no território pós-soviético. A televisão que a gente tinha em casa era daquelas antigas, em preto e branco, com o seletor dos canais quebrado que girava só com alicate. Quando o cronograma da eletricidade não batia com o horário da novela, meu tio Garník tinha um jeito genial para agradar as mulheres do bairro. Ele tirava a televisão de casa e colocava na frente da garagem, passava a energia da bateria do carro para a TV, sentava-se na sua frente, alisava o seu mustache (bigode) staliniano com a própria saliva, acendia o cachimbo e orgulhava-se da própria descoberta. Aumentava o som chamando a atenção das vizinhas. A novela foi um verdadeiro furor! As pessoas pediam licença para sair mais cedo do trabalho para não perderem os capítulos. Vanguardistas soviéticos faziam placas com a frase ‘Liberdade para Isaura’ e espalhavam pela cidade. Muita gente escrevia cartas para Isaura (Lucélia Santos) e enviava à redação do Primeiro Canal Federal da Rússia, desejando fé e força para ela enfrentar as maldades do tirano Leôncio (Rubens de Falco).
Por que as novelas brasileiras o encantavam tanto?
Cresci ouvindo o idioma das novelas. Algo que nunca escutara antes. Foi um mundo novo que descobri através da televisão, pois anteriormente as TVs soviéticas não exibiam nenhum conteúdo de fora da URSS. Foi algo novo, rostos novos, praias deslumbrantes, gente feliz... Elas eram dubladas em russo, mas, no fundo, podia-se ouvir os atores falando em português. Adorava caçar palavras novas e anotar no meu caderninho. Andava pela casa cantando ‘zunga zungarunguê zungazun garunguê’ (trecho de música da trilha sonora da trama).
Quando e como decidiu vir ao Brasil pela primeira vez? Já veio para ficar ou só passear?
A resposta estava na parede da nossa cozinha, no mapa enorme que praticamente toda família soviética tinha em sua casa. Eu tinha desenhado tantos aviões em cima da América Latina que a parte do Brasil ficou inteira rabiscada. A primeira palavra que montei com os cubos de madeira em três idiomas — armênio, russo e inglês — foi Brazil. Quando aprendi a ler e escrever, descobri na biblioteca do meu amado avô Simák coletâneas de enciclopédias soviéticas. Era o Google da minha época! As folhas do Volume II das páginas 543-551 eram desgastadas, pois lá havia informações sobre o Brasil: dados básicos que uma criança soviética precisava saber e nada mais. Fiquei maravilhado com a imagem em preto e branco do Cristo Redentor que, um dia, escondido do meu avô, rasguei e guardei dentro do meu bolso. Aquela imagem estava comigo em todo lugar. Mostrava para os meus amiguinhos e dizia que moraria lá. Eles, por sua vez, me achavam louco, dizendo que era apenas uma imagem e que aquele lugar não existia. Num sábado, dia de faxina, mamãe lavou a minha calça e destruiu a imagem do Cristo Redentor. Eu vim como turista, mas com intenção de ficar. Já tudo planejado na minha cabeça. É claro, a minha família ficou pasma, fizeram uma tragédia grega, quis dizer, armênia, antes da minha viagem. Brigaram, desmaiaram, chantagearam, desmaiaram de novo, até meu avião decolar.
Quais foram os principais choques culturais que teve em seus primeiros meses morando no Brasil?
Como já tinha informações sobre o Brasil, até aí tudo estava ok, mas foi um choque ver os Papais Noéis brasileiros andando pra lá e pra cá de bermuda e chinelos em pleno Réveillon.
Você identifica influências da cultura armênia no Brasil?
Temos a Praça Armênia ao lado da estação de metrô (em São Paulo), três igrejas na região do Bom Retiro — Apostólica, Católica, Evangélica — e mais uma, a da cidade de Osasco, na vizinhança com a Rua Armênia, ao lado de um dos meus restaurantes favoritos, chamado Dozza. Na minha terra dizem que se você conseguir passar por baixo de um arco-íris todos os seus sonhos se realizarão. Faço isso sempre que atravesso por baixo do viaduto República da Armênia (no bairro do Brooklin), que liga a Avenida dos Bandeirantes com a Avenida das Nações Unidas, antes de chegar ao teatro Santander, como se fosse meu arco-íris mágico. Temos um clube armênio na Avenida Ascendino Reis, zona sul de São Paulo, que surgiu em 1941, justamente para agregar jovens armênios do Brasil. E, é claro, a UGAB Brasil (União Geral de Beneficência Armênia), que iniciou seus trabalhos em 1964, onde funcionava uma das primeiras escolas da nossa comunidade. O local de maior importância é o Monumento aos Mártires Armênios (na Avenida Santos Dumont, zona norte). A obra do escultor José Jerez Recalde, inaugurada em 1966, representa o exílio do meu povo pelos turcos otomanos. Hoje o local está bem cercado e cuidado após um ato de vandalismo em 2009, e foi batizado como Espaço Cívico Comendador Yerchanik Kissajikian. Temos uma escola armênia de ensino médio em São Paulo, conhecida como Externato José Bonifácio. Você pergunta onde? Eu respondo: claro que é próximo da estação Armênia do metrô! E ainda há brasileiros que acham que a Armênia é simplesmente nome de estação de metrô (risos).
Você se emocionou muito ao escrever o livro? Quais relatos mexeram mais contigo?
É difícil escrever sobre mim e o livro é uma autobiografia. Toda vez que leio uma biografia, penso: “Como a pessoa deve viver e ser um exemplo para sociedade para merecer um livro biográfico?” A resposta é ‘ser’ alguém e não simplesmente ‘estar’. Quero que entendam estes verbos pela ótica da essência e não da gramática. É uma responsabilidade. Escrevi durante três anos, juntando todos os fragmentos da minha vida. Chorei, me emocionei, fiquei com raiva, apaguei capítulos, reescrevi... Mexeu muito comigo pois era a minha vida lá no papel, que seria exposta para todos. Mas quis dividir, compartilhar uma experiência única que eu vivi. Creio que possa ser inspiração para os outros.
Como analisa as novelas que são produzidas hoje no Brasil. São tão boas quanto aquelas que você assistia na Armênia?
A última novela de que não perdia nenhum capítulo de jeito nenhum foi ‘Avenida Brasil’ (exibida originalmente em 2012). Como todos, eu torcia por justiça para a Rita (Débora Falabella), mas por dentro gostava da Carminha, uma das minhas vilãs favoritas. Amo a Adriana Esteves. Acompanho o canal VIVA, gosto de rever as novelas antigas que passaram na Armênia e relembrar onde eu estava naquela época, quantos anos tinha, o que fazia etc.
Você se sente acolhido no meio artístico brasileiro? Conseguiu realizar sonhos na carreira?
Muitos sonhos foram realizados, mas ainda tenho outros milhares. Me formei em Artes Cênicas, em São Paulo, criei meu grupo de teatro que existe há 11 anos, sempre produzimos espetáculos novos. É um grupo de pesquisa com artistas talentosíssimos e dedicados. Estamos em contato com colegas de outras companhias para trocar experiências. Faço bastante publicidade. Adoraria um dia poder fazer um índio ou um nordestino, mas, certa vez, um booker de uma agência foi bem direto comigo. Disse que mesmo colocando um balde na minha cabeça, eu continuo sendo um gringo.
Quais personagens de novelas brasileiras gostaria de ter interpretado?
Se você uma atriz, certamente amaria interpretar a Carminha (‘Avenida Brasil’), a Isabela (Cláudia Ohana em ‘A Próxima Vítima’), Latifa (Letícia Sabatella em ‘O Clone’) e claro, a dona Armênia, (Aracy Balabanian em ‘Rainha da Sucata’ e ‘Deus Nos Acuda’). Dos papéis masculinos, gosto do Giuseppe Garibaldi (Thiago Lacerda em ‘A Casa das Sete Mulheres’) e acho hilário o Nilo (José de Abreu em ‘Avenida Brasil’).
Se uma emissora brasileira fosse fazer uma novela sobre a Armênia, o que não poderia faltar?
Ah, seria uma novela tão rica de cultura, história e personagens cativantes... Nas mãos de bons escritores, diretores e elenco certamente faria o maior sucesso. Nessa novela não poderia faltar eu (risos).
Qual a principal mensagem que deseja passar com seu livro?
Na orelha do livro há uma frase do Paulo Coelho: “Quando você quer alguma coisa, todo o universo conspira para que você realize o seu desejo”. O livro é um caminho através do qual contei sobre todos os meus sonhos realizados.
Em tempo: no dia 19 de março, das 19h às 21h, Arthur Haroyan fará sessão de autógrafos de ‘O Armênico’ na livraria Martins Fontes da Avenida Paulista. Os direitos autorais da obra serão doados para famílias armênias atingidas pela recente guerra. O livro já pode ser comprado no site thebookseditora.com.