O que era ruim ficou ainda pior. A relação de Jair Bolsonaro e a Globo se deteriorou de vez. O presidente teve reação colérica à matéria do Jornal Nacional a respeito de citação do nome dele na investigação do assassinato da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes, em março de 2018.
Em transmissão nas redes sociais, diretamente da Arábia Saudita, onde estava em viagem oficial, Bolsonaro atacou a emissora do clã Marinho.
“TV Globo, isso é uma patifaria! É uma canalhice o que vocês fazem”, disse, irritado. “Fazem uma matéria dessa, em horário nobre, dizendo que eu poderia ter participado da execução da Marielle Franco.”
Em outro momento do vídeo, o presidente insiste: “Vocês, TV Globo, o tempo todo infernizam minha vida. Onde vocês querem chegar, eu sei. Essa patifaria, 24 horas?”
Ele deu a entender que seu governo será mais rígido ao analisar a renovação da concessão da TV Globo, que vence em abril de 2023. Por lei, o presidente pode interferir nesse processo um ano antes, ou seja, no último período do mandato de Bolsonaro na Presidência.
“Temos uma conversa em 2022. Eu tenho que estar morto até lá, no processo de renovação (da concessão) de vocês. Não vai ser perseguição. Mas o processo tem que estar enxuto, tem que estar legal. Não vai ter jeitinho para vocês nem para ninguém.”
Por volta de 00h50 desta quarta-feira (30), a âncora Renata Lo Prete leu uma nota oficial no Jornal da Globo. “A Globo não fez patifaria nem canalhice”, afirmou. “Fez, como sempre, jornalismo com seriedade e responsabilidade.”
No final do comunicado, uma provocação a Bolsonaro. “A Globo lamenta que o presidente revele não conhecer a missão do jornalismo de qualidade e use termos injustos para insultar aqueles que não fazem outra coisa senão informar com precisão o público brasileiro. Sobre a afirmação de que, em 2022, não perseguirá a Globo, mas só renovará a sua concessão se o processo estiver, nas palavras dele, enxuto, a Globo afirma que não poderia esperar dele outra atitude. Há 54 anos, a emissora jamais deixou de cumprir as suas obrigações.”
Jair Bolsonaro elegeu o Grupo Globo – e especialmente a TV Globo – como inimigo número 1 na mídia. Durante a campanha eleitoral ocorreram vários embates, inclusive na bancada do JN, quando ele foi entrevistado por William Bonner e Renata Vasconcellos.
Nos últimos meses, executivos da Globo se reuniram com integrantes do núcleo central do governo a fim de tentar estabelecer uma relação cordial. As tréguas duraram pouco. O jornalismo da Globo, bastante crítico à gestão e às declarações de Bolsonaro, não agradam ao presidente.
A nova ofensiva contra o canal líder em audiência no País aumenta a tensão. Antes mesmo da matéria no Jornal Nacional, Bolsonaro já havia citado possível cassação da concessão da Globo.
A declaração aconteceu na segunda-feira (28), em Abu Dhabi. “Tem empresa que vai renovar seu contrato brevemente, eu não vou perseguir ninguém. Quem estiver devendo, vai ter dificuldade.”
Há tempos comenta-se a respeito de supostas dívidas da Globo com a Receita Federal. Esse assunto e a ameaça de suspender a transmissão da TV também geraram manchetes durante a presidência de Lula e Dilma Rousseff.
Tirar a Globo do ar geraria uma reação em cadeia. Dezenas de grandes empresas ficaram sem sua principal plataforma de divulgação e promoção de serviços e produtos, inclusive os maiores bancos do País.
O efeito político seria gigantesco, já que vários grupos empresariais com forte influência no Congresso Nacional são donos de retransmissoras do canal.
Haveria ainda, no Brasil e no exterior, manifestações em defesa da liberdade de imprensa e opinião. Apesar de nervoso, Jair Bolsonaro escolheu bem as palavras ao falar da concessão da Globo. Ele sabe a convulsão gigantesca que uma decisão impulsiva pode provocar.