Não é exagero afirmar que a Globo está sob ataque. Nos últimos dias, dois episódios exigiram a reação da cúpula do canal. O primeiro afetou repórteres e cinegrafistas de Brasília. Ameaças feitas por apoiadores de Jair Bolsonaro às equipes de plantão na portaria do Palácio da Alvorada obrigaram a direção de jornalismo da emissora a suspender a presença de seus profissionais no local. Com isso, a Globo deixará de gravar as declarações diárias do presidente. Como efeito colateral, o chefe do Executivo perde espaço valioso na maior vitrine da televisão brasileira.
A segunda ocorrência, amplamente divulgada na imprensa, foi a intimidação a William Bonner e a uma das filhas dele. O âncora e editor-chefe do Jornal Nacional e sua filha receberam mensagens enviadas por um telefone com código de área do DF com dados pessoais e fiscais de ambos e também de outras pessoas da família, inclusive do pai e da mãe de Bonner, já falecidos. O acesso ilegal e o vazamento igualmente criminoso de informações sigilosas é uma tática recorrente usada por quem pretende constranger ou ameaçar um jornalista influente com atuação incômoda a determinados interesses.
A tentativa de emudecer Bonner, porta-voz de frequentes manchetes desfavoráveis a políticos e contraventores, gerou nota de repúdio da Globo e de entidades representativas da imprensa. Em entrevista ao Estadão, o apresentador disse que não irá se calar. "Foi uma clara intimidação. Quem quer fraudar não avisa, não manda mensagem como ameaça. Como a única coisa que faço na vida é ser jornalista, fica claro o propósito de intimidar. Não vão conseguir", afirma. "Com o apoio da Globo e dos colegas, pelos meios legais, vamos encontrar os culpados para que sejam punidos."
Na madrugada desta quarta-feira (27), Bonner surgiu no Conversa com Bial. Avesso a entrevistas, abriu uma exceção ao ser convidado por Pedro Bial para comentar os ataques virtuais contra ele e sua família. Lamentou a fraude envolvendo o nome de seu filho, Vinícius, que teve os dados usados indevidamente para a obtenção do auxílio emergencial do governo.
"Tinha um sujeito (na internet) chamando meu filho de cafajeste. Era uma coisa que transbordava um ódio", reclamou, abatido. O âncora deixou explícito que usaram Vinícius para tentar atingir sua honra e credibilidade.
Em outro momento, o jornalista analisou a onda de agressividade nas redes sociais e a hostilidade vista em alguns episódios nas ruas. “Eu ainda me assusto com a bile, com o ódio que escorre nas palavras, nas palavras mal escritas, nas palavras cuspidas. É um ódio tão intenso que a gente não sabe onde levará. E aí a gente vai para as ruas e assiste a esta mesma incivilidade”. O homem-forte do jornalismo da Globo já foi insultado algumas vezes em público. Em uma delas, se viu constrangido por uma mulher bêbada em uma padaria.
Para evitar confronto, Bonner evita até usar a ponte-aérea. Quando seu pai e sua mãe adoeceram (ambos faleceram), ele viajava de carro entre Rio e São Paulo, todo fim de semana, para visitá-los. O âncora do JN vê no radicalismo motivado pela polarização política a explicação para ter se tornado alvo de tanto ódio. "Tem gente hoje me aplaudindo que estava, há dois, três anos, me xingando. Pessoas que hoje estão me xingando há dois, três anos, batiam palmas."