Em 21 de fevereiro de 2007, Britney Spears estava no banco do carona de seu Mercedes prata, dirigido por um primo, em um posto de combustíveis de Tarzana, a oeste de Los Angeles. De repente, vários paparazzi da agência X17 cercaram o veículo e começaram a disparar flashes na direção da artista, que havia raspado a cabeça dias antes.
Assustada e, ao mesmo tempo, irritada, a cantora abriu a porta, pegou um guarda-chuva e atacou o carro dos fotógrafos. “Você está bem?”, perguntou um deles. “Foda-se!”, respondeu a pop star, descontrolada. A imagem daquele momento de fúria correu o mundo e se tornou icônica na história da cobertura jornalística da vida de celebridades.
O que se seguiu foi um drama digno de Hollywood. A artista recebeu o diagnóstico de bipolar. A bipolaridade é um distúrbio associado a alterações de humor que vão da depressão a episódios de obsessão. Crônico, não tem cura. Há tratamento com medicamentos e terapia. No ano seguinte ao surto que virou escândalo mundial, Britney perdeu o controle sobre a própria vida.
Seu pai, Jamie Spears, foi designado pela Justiça como tutor. Passou a administrar a fortuna da filha e tomar decisões importantes por ela. A relação entre os dois se deteriorou bastante desde então. Dias atrás, a cantora conseguiu na Justiça que a tutela seja dividida com uma empresa especializada em supervisionar a movimentação financeira de famílias ricas.
Ela vai insistir nos tribunais para tirar do pai qualquer poder sobre seu dinheiro e carreira. Essa e outras polêmicas estão destacadas no documentário Framing Britney Spears (‘Enquadrando Britney Spears’, em tradução livre), produzido pelo jornal ‘The New York Times’, com exibição no canal FX e na plataforma Hulu. A produção mostra que a princesa do pop sofreu não apenas com a perseguição da mídia e o pai dominador: também foi alvo de machismo (inclusive da parte de muitas mulheres), bullying e preconceito em relação à fragilidade emocional.
A novelesca vida de Britney — de conto de fadas à solidão motivada por doença mental — foi prevista em ‘Lucky’ (‘Sortuda’), música do álbum Ooops!... I Did It Again, lançado em maio do ano 2000. A canção conta a história de uma celebridade de Hollywood que, em público, parece ser a pessoa mais feliz do mundo, porém, se sente profundamente triste.
Diz o refrão: ‘Ela é sortuda, ela é uma estrela / Mas ela chora, chora, chora / No seu coração solitário, pensando / Se não há nada faltando em minha vida / Então por que estas lágrimas caem à noite?’ Outro trecho afirma que todos (fãs, imprensa etc.) esperam dela o “sorriso perfeito” o tempo todo. Os compositores foram hábeis em traduzir as recorrentes crises emocionais de astros da música, do cinema e da TV. Ao mesmo tempo, anteciparam o que viria a acontecer com a própria Britney.
No clipe de Lucky, ela tem dois papéis: interpreta a narradora e uma atriz vítima da fama, que está sempre bela e radiante diante dos holofotes, mas termina a noite sozinha e deprimida em seu quarto luxuoso. Após conquistar sucesso e dinheiro, a maioria dos artistas percebe que a bajulação, os bens materiais e os prêmios não garantem felicidade. Muitos sucumbem à depressão e mergulham em vícios. Alguns se autodestroem até a morte. Britney é sortuda por ter sido poupada de uma tragédia iminente.