Na segunda-feira (13), Amor de Mãe exibiu uma das melhores sequências entre os 43 capítulos transmitidos desde a estreia em novembro. Não houve nenhum malabarismo dramatúrgico. Foi tão somente uma conversa olho no olho. Um desabafo entre mãe e filha. Ao mesmo tempo, um discurso duplo contra mazelas da sociedade brasileira. Um incentivo à luta diária do cidadão anônimo.
Num quarto de hospital, a professora Camila (Jessica Ellen) se mostra desiludida e esgotada após levar um tiro durante evento na escola onde dá aulas. Ela foi vítima de um confronto entre policiais e bandidos. Sua mãe adotiva, Lurdes (Regina Casé), a ouve com atenção.
“Eu sempre vou ter que ser forte, sempre. Eu tenho que ser forte porque a gente é pobre e eu quero estudar. Aí eu tenho que passar de primeira porque não posso perder nenhuma chance, nenhuma. Eu tenho que ser forte porque eu sou mulher e para a mulher tudo é mais difícil. Tenho que aguentar um babaca olhando para o meu peito ao invés de prestar atenção no que eu tenho a dizer. Eu tenho que ser forte porque eu sou preta e a gente vive num País racista. Eu tenho que ser forte porque eu sou professora. Tentei ajudar meus alunos, tomei um tiro... Tenho que ser forte... Tô cansada, mãe, tô cansada de ser forte. Eu não vou poder ser fraca nenhum dia, nenhuma vez na minha vida?”
Nordestina e pobre, Lurdes matou acidentalmente o marido para se defender da violência doméstica. Saiu de casa apenas com a prole e a coragem, em busca do filho vendido sem seu consentimento. No meio do caminho, encontrou um bebê abandonado, a quem batizou Camila e criou sem distinção dos demais.
A menina negra foi a primeira da família a concluir o curso superior. Idealista, ela tenta mudar o mundo a partir do microcosmo do colégio público onde leciona. Enfrenta a burocracia, a falta de apoio moral e a ausência de recursos. Calejada pelos tombos da vida, Lurdes tenta reanimar a filha – e aí o telespectador de Amor de Mãe foi presenteado com um texto contundente, poético e politizado.
“Olha pra mim: tu vai ter que ser forte, tá ouvindo o que eu tô dizendo? Tu vai ter que ser forte. Tu não pode fraquejar. Meu amor, ainda não, ainda não dá pra ser fraca. Nesse mundo que a gente vive, não dá, filha. Eu não aguento isso, de ver que tudo você tem que ser a melhor, passar em primeiro lugar. Isso me dá uma raiva. Por que que tem que ser assim? Mas é assim! A gente tem que aproveitar cada chance da vida. Porque a gente não é gente, não. A gente é sobrevivente. Ainda mais pra nós, filha. Para a mulher é muito mais difícil. Ainda mais tu, da tua cor. Ô meu amor, como eu queria que ninguém te julgasse pela cor da tua pele... A coisa que eu mais queria. Mas ainda não dá. A gente tem que continuar empurrando o mundo, mesmo sendo muito pesado, para ele mudar. Olha, eu não acredito que eu te eduquei! Você virou uma professora! Tu tá educando um monte de menino pra mudar o mundo. Se a gente for bem forte, a filha desse aqui que tá dentro da tua barriga vai poder fraquejar, vai poder ser frágil, vai poder ir para o colinho... Por enquanto não dá, não, filha.”
Amor de Mãe se destaca pelo contexto social inserido nas tramas. A autora Manuela Dias faz críticas frequentes à desigualdade de oportunidades, à corrupção endêmica, ao sexismo, aos preconceitos do dia a dia.
O folhetim com estética de cinema não é apenas entretenimento: pinta com as tintas fortes da teledramaturgia um retrato bastante crível de quem somos, de como pensamos e da maneira que agimos. Uma novela conectada com a triste realidade, uma produção com qualidades acima da média.