Incoerente e incompreensível. A mesma Globo que promoveu o especial ‘Falas Negras’, merecidamente elogiado pela relevância artística e força política contra o racismo, não se posiciona oficialmente a respeito da dor sentida por João ao se sentir discriminado por Rodolffo no ‘BBB21’.
A reação do professor se deu após o cantor sertanejo comparar o cabelo black power dele à peruca desgrenhada de homem das cavernas que fazia parte da fantasia de que cumpria o castigo do monstro. João lamentou, chorou, argumentou.
“Na hora eu fiquei muito sem reação. Só consegui falar que era diferente. Eu nunca tinha passado por situações aqui dentro e não achei que passaria, só teve um momento com o próprio Rodolffo", disse o brother, sem entrar em detalhes a respeito do episódio anterior que o magoou.
Aqui fora, a equipe de João pediu respeito. Os assessores de Rodolffo se desculparam em nome dele. Disseram que o comentário foi feito “sem maldade”. No dia a dia, a maior parte das declarações racistas acontecem, justamente, sem a tal maldade intencional. É sempre ‘sem querer’. Justificativa clássica.
Faz parte do racismo estrutural soltar opiniões, observações e piadas sem perceber a conotação discriminatória. O agressor não se dá conta de que fere com palavras e intenções. Faz parte da ‘cultura do racismo’ debochar do negro sem considerar os efeitos da ironia em sua dignidade e autoestima.
Houve forte repercussão da frase de Rodolffo e da reação de João nas redes sociais e na imprensa. O que fez a Globo? Nada. Completa omissão. Para piorar, a edição do programa de domingo não exibiu a manifestação antirracista feita pela cantora Ludmilla no show do dia anterior e viralizada na web.
“Respeita o nosso funk, respeita a nossa cor, respeita o nosso cabelo”, disse a artista, ela própria vítima de racismo ao ter o cabelo comparado à esponja de aço Bombril — aliás, uma comparação comum, ou melhor, um insulto frequente a quem possui cabelos crespos.
O ‘BBB’ é, hoje, a principal vitrine da Globo. A emissora não pode ignorar uma situação assim. Transmite a impressão de ‘passar pano’ ao racismo cotidiano, aquele que parece inofensivo aos que não o sentem na pele e na alma. O discurso antirracista do canal perde força.
Essa mesma Globo lançou, no ano passado, em celebração ao Dia da Abolição da Escravatura, um filme de conscientização para combater expressões racistas como “a coisa tá preta” e “mercado negro”, dentro de sua campanha permanente ‘Tudo Começa Pelo Respeito’.
Como compreender tamanha incoerência agora?