Uma pesquisa rápida na cobertura jornalística dos primeiros 20 meses da Presidência de Jair Bolsonaro revela variado palavrório com a finalidade de atacar o Grupo Globo e, especialmente, a principal emissora da holding, a Rede Globo. A habitual fúria do então deputado federal contra a TV da família Marinho se multiplicou após ele se tornar o homem mais poderoso da República.
Um de seus petardos mais ruidosos foi lançado em abril deste ano ao reagir a uma matéria crítica do Jornal Nacional a seu comportamento em relação aos brasileiros mortos pela covid-19. “Essa imprensa lixo chamada Globo. Ou melhor, lixo dá para ser reciclado. Globo nem lixo é, porque não pode ser reciclada.”
Na mesma ocasião, ele anunciou fiscalização redobrada da situação fiscal da emissora para determinar ou não a renovação da concessão que mantém o canal no ar desde 1965. “Se não estiver tudo certo, não renovo a de vocês e nem a de ninguém”, disse. A autorização para a continuidade do funcionamento da TV precisa ter analisada em 2022, último ano de seu mandato.
Em maio, o ocupante do Palácio do Planalto voltou a atirar contra a líder em audiência após o JN contestar a transparência dos dados divulgados pelo Ministério da Saúde. Bolsonaro chamou a Globo de “TV Funerária” por dar amplo espaço às estatísticas de mortos pelo novo coronavírus no País. “Divulgam só notícia ruim”, reclamou.
Outro episódio de artilharia pesada contra o canal carioca ocorreu em outubro de 2019. O telejornal comandado por William Bonner e Renata Vasconcellos exibiu matéria sobre menção ao nome do presidente na investigação do assassinato da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes, a partir do depoimento de um porteiro do condomínio onde Bolsonaro tem casa, no Rio.
Em uma live, o chefe do Executivo teve reação colérica. Soltou vários xingamentos contra a Globo: “canalhas”, “imprensa porca”, “jornalismo podre”, “patife”, “nojenta”, “imoral”. Declarou ainda que a empresa “não tem vergonha na cara” e que seus donos e jornalistas “não são patriotas”. No dia seguinte, ao encontrar uma equipe da emissora, acusou a TV de ser mentirosa.
Além disso, se colocou como acossado pela gigante da comunicação. “Não é de hoje que o sistema Globo me persegue e minha família, aqueles que tão do meu lado. É isso que vem acontecendo. A Globo quer destruir o Jair Bolsonaro, que acabou com a mamata da TV Globo de faturar bilhões por ano com propaganda oficial do governo."
A mais recente fuzilaria do presidente contra o canal não foi verbalizada, e sim escrita. Em seu perfil no Twitter, Bolsonaro postou vídeo de matéria do Jornal da Record com denúncia de suposta conivência da Globo com esquema de compra de votos para a escolha do Rio de Janeiro como sede dos Jogos Olímpicos de 2016.
A reportagem afirmou que a emissora teria se beneficiado de negociata capitaneada pelo então governador Sergio Cabral. O presidente fez provocação ao comentar o vídeo: “Os esquemas bilionários da Globo”, “Corrupção para valer é com a família Marinho”.
Nunca antes na história do Brasil um governante travou guerra particular tão espalhafatosa com um veículo de imprensa. Jair Bolsonaro elegeu a Globo como seu pior inimigo político. O canal argumenta cobrir o governo com “isenção” e “imparcialidade”, e preserva o tom incisivo na cobertura do governo. Sem trégua no horizonte, o presidente precisará renovar seu vocabulário de impropérios.