“Todo mundo é capaz de dominar uma dor, exceto quem a sente”, escreveu William Shakespeare, autor de tantos amores lancinantes e trágicos.
A busca pelo domínio de uma dor amorosa fez o ator e dramaturgo Davi Novaes, de 25 anos, escrever e encenar o solo "O Que Restou de Você em Mim".
A peça estreia hoje, dia 23, em novo espaço cênico de São Paulo. A Zona Franca, na Bela Vista, tem somente 8 lugares.
O espectador mais atento poderá sentir a respiração do jovem artista e, quem sabe, ritmar os seus batimentos cardíacos aos dele.
Em um período de disseminação de tanto ódio gratuito, na vida real e na subvida virtual, falar de amor é uma ousadia – e uma atitude política.
Davi Novaes conversou com o blog a respeito do espetáculo.
Encenar as alegrias e dores de uma experiência amorosa tem efeito terapêutico?
Eu realmente acredito no efeito terapêutico do contar. E isso se aplica na vida prática também. Quando alguma coisa nos acontece, logo vamos desabafar com alguém. E é meio isso o que eu faço em O Que Restou de Você em Mim. É uma peça-depoimento sobre um assunto que todo mundo sabe, ou melhor, sente, que é o saber dentro de si.
Pensou muito antes de encarar essa exposição pessoal?
A reflexão sobre se expor veio sim, mas não ficou. No começo, o medo. Da exposição, do julgamento, do olhar inquisidor do outro em algo tão meu, mas depois percebi que o tema era maior. Sim, é uma peça sobre um amor que era meu, mas, ao mesmo tempo, é também sobre o amor em si, e esse é universal.
Uma plateia tão pequena amplia a intimidade entre o ator e cada espectador?
Sim, a plateia reduzida reforça o lugar do íntimo que eu e as diretoras Virginia Buckowski e Alejandra Sampaio imaginamos para a encenação. Um quarto todo vermelho, com 8 lugares. Como se esse menino estivesse ali, no centro de todas as suas dores, no magma de todas as suas faltas, contando, sussurrado tudo o que passou. Quase uma prece para esse amor que se foi mas, de um jeito ou de outro, continua. A interação não se dá de forma direta, não chamo ninguém para o ‘palco’, mas indiretamente acontece com o reconhecimento da plateia nas palavras daquele menino.
Em um período de iminente risco à liberdade de expressão, o teatro autoral é uma maneira de fazer política e resistir?
O amor sempre foi resistência, mas nos dias de hoje, é ainda mais. Os românticos são os novos rebeldes. Escrever e encenar uma peça sobre esse tema no cenário atual onde houve o endurecimento das pessoas, a generalização cega do discurso de ódio e o cerceamento de liberdades, é um ato político sim, e uma lembrança de que o amor é algo perigosíssimo de se odiar. ‘Todo coração é uma célula revolucionária’ (frase dita no filme Edukators), e essa peça é meu jeito de fazer parte dessa revolução.
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O Que Restou de Você em Mim
Sexta, sábado e domingo às 20h.
Zona Franca (8 lugares): Rua Almirante Marquês de Leão, 378, Bela Vista, São Paulo.
Duração: 65 minutos. Classificação: 14 anos.
Ingresso: R$ 40,00. Em cartaz até 16 de dezembro.
Mais informações e reserva: (11) 98202-4658.