Todos os atores, com raríssimas exceções, são discípulos de Narciso, o herói que representa o extremo da vaidade na mitologia grega.
Diante das câmeras, muitos deles se preocupam mais com a própria aparência do que com a atuação em si.
Não é o caso de Sonia Braga. A atriz não esconde a idade (completará 70 anos em junho de 2020) nem se recusa a abrir mão da beleza produzida artificialmente.
No filme-sensação do momento, Bacurau, dos diretores Kléber Mendonça Filho e Juliano Dornelles, surge envelhecida: sem maquiagem, cabelos brancos, roupas surradas e zero glamour.
Além disso, sua personagem Domingas, uma médica em um micro povoado do Nordeste, escancara a feiura da alma.
Ela inveja a popularidade de uma defunta, permite que a companheira faça sexo pago com um michê, demonstra viver em profunda desolação e abusa do álcool. A imagem da baixa autoestima.
Acima de tudo isso está a interpretação vigorosa de Sonia Braga. Em suas poucas cenas, chega e arrebata.
Ao mesmo tempo, é generosa com os colegas de cena – inclusive os muitos amadores em sua primeira experiência cinematográfica.
Mais bem-sucedida atriz brasileira no exterior, com inúmeros trabalhos na TV americana e em Hollywood, ela sabe que o papel de diva só fica bem nos tapetes vermelhos.
Não cai na armadilha de ser refém da vaidade que já destruiu muitos rostos e carreiras.
Sábia, Sonia Braga embrulha a velhice com o seu talento. Aos atores narcisistas resta aplaudi-la – e aprender com tal exemplo.
Com a destemida Domingas, Sonia Braga comunica ao público uma mensagem que é dela mesmo: melhor enfrentar o pior da vida do que se esconder atrás de uma frágil imagem de perfeição.