Emmy esnoba o talento de atrizes negras transexuais de Pose

Omissão da maior premiação da TV americana revolta artistas e reforça o fantasma do preconceito no show business

3 ago 2020 - 10h14
(atualizado às 10h14)

Na semana passada, em uma live, Angelica Ross chorou por decepção e revolta ao comentar a lista de indicados ao Emmy. Nenhuma atriz transexual de Pose (FX / Netflix) foi indicada, ainda que a segunda temporada da série tenha sido marcada por interpretações fantásticas. Elas também foram 'esquecidas' em 2019.

Acima, Angelica Ross (Candy) e Dominique Jackson (Elektra Abundance); abaixo, Mj Rodriguez (Blanca Rodriguez) e Indya Moore (Angel): a transexualidade na trama de Pose reflete os dramas das próprias atrizes trans na vida real
Acima, Angelica Ross (Candy) e Dominique Jackson (Elektra Abundance); abaixo, Mj Rodriguez (Blanca Rodriguez) e Indya Moore (Angel): a transexualidade na trama de Pose reflete os dramas das próprias atrizes trans na vida real
Foto: Reprodução

"Estou tão cansada... Eu quero que nossa sociedade valorize vidas trans e vidas negras trans. Eu me sinto dessa forma porque acho que não há nada que possamos fazer", desabafou a artista. Além de integrar o elenco, ela é diretora de uma empresa que ajuda transexuais a conseguir bons empregos. 

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A própria Angélica protagonizou alguns dos melhores momentos de Pose quando sua personagem, a feroz garota de programa Candy, vira projeção do subconsciente de amigos e desafetos após ser assassinada. A sequência de seu funeral transformado em um baile de voguing é impactante.

No ano passado, Billy Porter se tornou o primeiro homem assumidamente gay a ganhar o Emmy, na categoria Melhor Ator em série dramática, pela performance de Pray Tell, o locutor dos bailes mostrados em Pose. O personagem enfrenta o drama do envelhecimento, do racismo, da homofobia e de ser portador do HIV nas décadas de 1980 e 1990, no auge das mortes por aids.

A premiação de Porter foi merecida. Por outro lado, ressaltou tratamento desigual por parte da direção do Emmy. Teria havido machismo e transfobia ao consagrar um negro homossexual militante e desdenhar o trabalho igualmente criativo e socialmente relevante das atrizes trans negras e latinas da mesma série?

Billy Porter, o Pray Tell de Pose, teve o trabalho reconhecido no Emmy: homens negros gays estão muito à frente das mulheres trans na TV e em Hollywood
Foto: Divulgação

Essa pergunta incômoda passou a tilintar na imprensa americana e nas redes sociais desde a revelação dos indicados ao Emmy este ano. A ausência de pelo menos uma nomeada do elenco transexual principal de Pose —  Mj Rodriguez (Blanca Rodriguez), Dominique Jackson (Elektra Abundance), Indya Moore (Angel) e Angelica Ross (Candy) —  causou surpresa e contestação.

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Coincidentemente, o machismo é citado em um episódio da segunda temporada de Pose. Personagens femininas afirmam que o voguing popularizado por Madonna na mídia beneficiou muito mais os dançarinos homens do que as mulheres precursoras que o praticavam nas competições e nas ruas.

Defensores do Emmy lembram que, em 2019, houve a indicação da atriz negra trans Laverne Cox, de Orange is the New Black, na categoria Melhor Atriz Coadjuvante em Série de Drama. Ela não ganhou, porém, sua presença na lista de nomeados e fazendo ativismo pró-LGBTs no tapete vermelho teve caráter político imensurável.

Aquele foi, realmente, um passo gigantesco para a diversidade de gênero e racial na maior premiação da televisão americana. Contudo, não serve de compensação para a ausência das artistas negras trans de Pose entre as indicações da edição deste ano. Ainda que não viessem a ganhar, mereciam ter sido lembradas e homenageadas pelo talento demonstrado e a luta que representam.

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