Se foi ‘golpe de marketing’, então os golpistas estão de parabéns. Em quase 1 ano de cobertura midiática da pandemia de covid-19 no Brasil, poucas vezes surgiu diante das câmeras uma personagem tão articulada e cativante como a enfermeira Monica Calazans, 54 anos, escalada pelo governador de São Paulo, João Doria, para ser a primeira brasileira vacinada com a CoronaVac. Ela parece ter nascido para se comunicar na televisão.
Mulher (assim como a maior parte da população do País), negra (representante dos 56% de pretos e pardos), obesa (como quase 100 milhões com algum grau de sobrepeso), hipertensa e diabética (condições comuns), de origem pobre e chefe de família, ou seja, a cara do Brasil. Além disso, moradora da Zona Leste e corinthiana — a cara de São Paulo. Nenhum recrutador de RH escolheria melhor.
De maneira objetiva e convincente, Monica falou tudo o que os médicos e cientistas repetem há meses sobre a importância da prevenção e da conscientização pessoal e coletiva sobre tomar a vacina. As principais emissoras — em especial as de notícias, como GloboNews e CNN Brasil — deram amplo espaço na programação para a enfermeira do Hospital Emílio Ribas.
Da parte de âncoras, repórteres e comentaristas não faltaram elogios ao seu altruísmo (ela foi voluntária da fase final de testes da CoronaVac) e à mensagem de encorajamento aos brasileiros ainda descrentes ou temerosos da eficácia do imunizante chinês em parceria com o Instituto Butantan. Monica Calazans se tornou uma das personagens mais importantes da imprensa neste 2021 que mal começou.
A enfermeira conseguiu seus 15 minutos de fama não apenas no Brasil. Portais de notícias e canais de TV dos quatro cantos do planeta destacaram o início da imunização no País. A notícia foi veiculada até na Al Jazeera, principal emissora do Oriente Médio, sediada no Catar. À tarde, no ‘ao vivo’ da CNN Brasil, a âncora Carla Vilhena narrou o momento da aplicação da vacina em Monica Calazans. “Nossa enfermeira lutadora que amenizou o sofrimento de tantas pessoas, agora um sopro de esperança para ela também”, disse.
O ‘Fantástico’ exibiu rápida entrevista exclusiva conduzida pelo repórter Bruno Tavares. Pouco depois, no intervalo do programa, estreou comercial autopromocional do Governo de SP e do Instituto Butantan sobre a vacina. Sim, há dose generosa de marketing injetada começo da imunização no Brasil. Quem, em uma disputa de poder e influência, desperdiçaria tal oportunidade de se projetar na mídia sobre os adversários?