Devemos sentir empatia somente por quem cometeu crimes leves ou podemos nos solidarizar também com condenados por atos hediondos? Esse é o dilema suscitado pela revelação, a partir de apuração do site O Antagonista, de que a detenta Suzy de Oliveira teria estuprado, estrangulado e ocultado o cadáver de um menino de 9 anos.
No domingo (1.º), ela provocou comoção nacional ao manifestar sua solidão no presídio em entrevista a Drauzio Varella, no Fantástico. O abraço paternal do médico viralizou nas redes sociais e gerou inúmeras matérias na imprensa. Na última semana, Suzy recebeu centenas de cartas e doações em dinheiro por meio de uma vaquinha virtual. Ninguém sabia detalhes de sua condenação.
Assim que portais de notícias repercutiram a notícia do crime, sugiram inúmeras mensagens a respeito na web e o nome de Suzy liderou o ranking de assuntos do Twitter. De um lado, gente disposta a reafirmar solidariedade a Suzy. Do outro, pessoas chocadas com o horror por trás da aparência frágil da presidiária — e, consequentemente, o fortalecimento do preconceito e do ódio contra transexuais e detentos.
Unânime, apenas a aprovação ao gesto humanitário de Drauzio Varella. Ele não conhecia a ficha criminal de Suzy no momento da gravação. "Não perguntei nada a respeito dos delitos cometidos pelas entrevistadas. Sou médico, não juiz", esclareceu o médico em nota à imprensa. Antes disso, ele havia manifestado surpresa com a repercussão gigantesca do abraço. Chegaram a sugerir que fosse lançado candidato à Presidência em 2022. Varella rejeita essa idolatria tola.
O especialista em saúde do Fantástico não tinha a obrigação de questionar Suzy, mas a Globo, sim. A informação era relevante. Tanto assim que sua revelação, agora, influencia a formação de opinião dos telespectadores. Ainda que não tenha existido a intenção de manipular, a edição induziu o público a se comover e sentir compaixão. Neste caso, a omissão de um dado prejudicou a precisão jornalística. E, no jornalismo profissional, não deve existir espaço para dúvida ou incongruência. Em outras reportagens do gênero, na Globo, houve a citação dos crimes dos entrevistados.
Na edição de ontem (8), o Fantástico apresentou uma explicação. "Os crimes das entrevistadas não foram mencionados porque este não era o objetivo", disse Tadeu Schmidt. "O quadro gerou muita empatia no público, mas também críticas exatamente por não mencionar os crimes", complementou Poliana Abritta. A seguir, a apresentadora informou que o programa apoiava integralmente a nota emitida por Drauzio Varella.
Nela, o médico diz: "Por razões éticas, não busco saber o que de errado fizeram. Sigo essa atitude para cumprir o juramento que fiz ao me tornar médico. E para não cair na tentação de traí-lo, atendendo apenas aqueles que cometeram crimes leves. No quadro do Fantástico, segui os mesmos princípios".
Drauzio Varella fez o juramento a Hipócrates; a Globo, não. A emissora errou antes, ao não revelar os delitos das entrevistadas, e erra novamente agora ao usar o médico como escudo contra as contestações ao seu jornalismo.