Hétero? Gay? Bi? A tendência é ser pan como Gianecchini

Famosos ajudam a popularizar o conceito de pansexualidade em contraponto a uma crescente onda conservadora

2 set 2020 - 13h06
(atualizado às 13h07)

“E eu gosto de meninos e meninas / Vai ver que é assim mesmo e vai ser assim pra sempre”, cantava Renato Russo em um dos clássicos da Legião Urbana. “Me considero pansexual”, disse o cantor em uma entrevista. Ele foi um dos primeiros artistas brasileiros a citar a pansexualidade. “Em relação ao sexo, vivo com o espírito nu”, repetia o roqueiro Serguei, mais famoso pansexual do País.

Gianecchini diante da bandeira da pansexualidade: “Eu me considero tudo ao mesmo tempo”
Gianecchini diante da bandeira da pansexualidade: “Eu me considero tudo ao mesmo tempo”
Foto: Fotomontagem: Blog Sala de TV

A discussão a respeito dessa falta de limites na hora de se envolver afetiva ou sexualmente voltou à tona a partir de uma entrevista de Reynaldo Gianecchini. “Nunca quis levantar nenhuma bandeira. Acredito na liberdade de ser o que cada um quiser ser. Acredito que todo mundo tem muitos lados dentro de si mesmo e que a sexualidade reflete muito isso”, declarou o ator à agência EFE.

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“Não tenho medo de olhar além. Eu não me encaixo em nenhuma definição”, explicou. “Dizem que sou gay, mas não me considero assim. Eu me considero tudo ao mesmo tempo. Se existir uma palavra para mim, então é pan, porque pan é tudo.” Em setembro de 2019, ele suscitou manchetes com uma declaração a O Globo: “Já tive, sim, romances com homens.”

Em março deste ano, durante conversa com a revista Pop-se, negou definitivamente ser apenas gay. “Sou tudo”, definiu-se. O artista comentou a decisão de compartilhar a intimidade. “É uma atitude política falar isso hoje em dia. A sociedade é muito careta. O Brasil é um País preconceituoso, racista e reprimido.” A sexualidade do galã gera curiosidade, fofocas e matérias desde que estreou na TV, na novela Laços de Família, no ano 2000, quando era casado com a apresentadora Marília Gabriela.

Gianecchini não está sozinho: outros famosos admitiram ser pansexuais. Entre eles, a influencer e ex-BBB Bianca Andrade (Boca Rosa), o ator Andrew Garfield (ex-Homem Aranha), a ex-atriz da Disney e agora ídolo pornô Bella Thorne, e os cantores Miley Cyrus, Mike Taveira e Brendon Urie. Preta Gil também faz parte desse grupo. “Eu gosto de gente”, disse.

Psicóloga Alessandra Assis afirma que os pansexuais devem ignorar o preconceito para viver livremente seu desejo
Foto: Blog Sala de TV

A pansexualidade é uma tendência, um modismo ou apenas tem tido maior visibilidade? Ouvimos a psicóloga Alessandra Assim para entender a questão.

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Gianecchini disse não ser hétero nem gay nem bi, se considera pan. Como a psicologia vê essa classificação?

Pansexualidade é uma orientação sexual, ou seja, não tem relação com o gênero da pessoa. Se refere a quem se atrai por pessoas independentemente de gênero. Ser pan significa ter atração por todos os gêneros e não por todas as coisas. Uma pessoa pansexual pode se sentir atraída por uma mulher ou um homem cisgênero, um homem ou mulher transexual ou até mesmo alguém sem gênero definido, ou ainda quem transite entre os gêneros. Existem inúmeras possibilidades entre heterossexuais e homossexuais e o que importa é como cada um vive a sua liberdade de escolha em relação a sua sexualidade.  De maneira consciente ou inconsciente somos seres sexuais e o impulso sexual está presente na vida cotidiana, na cultura e na arte. Infelizmente vivemos em uma sociedade que ainda tem bastante preconceito com a diversidade.

Essa liberdade sexual das novas gerações, que fogem de rótulos sexuais, é um modismo ou uma mudança efetiva no comportamento humano?

O pansexual tem atitude aberta em relação ao sexo e não se limita às relações convencionais, mas isso não significa que seja uma parafilia sexual, uma desordem sexual. O pansexual se relaciona com pessoas, e não coisas, plantas ou animais. O indivíduo pansexual tem interesse e atração somente por outros seres humanos. Muitos veem a pansexualidade como uma moda, entretanto, esse termo existe desde 1990, quando as pessoas sentiram o desejo de indicar que há mais de dois gêneros. Quem apresenta essa condição de gênero entende o sexo a partir de sua liberdade individual, e vai além do tradicional, do convencional, não se preocupa com rótulos e definições, e sim com a fluidez dos seus sentimentos e vontades. Respeitando a si e não às normas da sociedade do que é certo ou errado.

Exemplos como o de Gianecchini e de outras celebridades sexualmente liberais influenciam o desejo das pessoas ou nenhum elemento externo e alheio interfere na sexualidade do indivíduo?

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Só se é possível desconstruir a heteronormatividade com muito autoconhecimento e coragem. E sim, acredito que atores e personalidades públicas em geral contribuem para que as pessoas assumam sua verdadeira orientação sexual. A cantora e atriz Miley Cyrus, em 2015, se declarou pansexual em uma entrevista. “Durante minha vida inteira não entendia meu próprio gênero e minha própria sexualidade. Sempre odiei o termo bissexual pois me colocaria um rótulo. Não penso em alguém por ser garoto ou garota”, disse a artista. As gerações Y (nascidos após o início da década de 1980) e Z (a partir da segunda metade dos anos 1990) não suportam rótulos. Por que tudo tem que se encaixar em um determinado padrão? Miley Cyrus e Reynaldo Gianecchini se intitularem pansexuais e relatarem o quanto foi difícil passar por esse processo de aceitação e compreensão de seus desejos fortalece outras pessoas a também se assumirem, por um momento, como pansexuais.

Por que por um momento?

Creio na questão de que tudo está e nada é. Hoje estou pansexual, amanhã posso não ser mais e tudo bem. Porque tudo é fluido e mutável, só não é para aqueles que ainda julgam como certo ou errado. A pansexualidade é a orientação sexual que menos regras estabelecidas apresenta. O pan pode ser de gêneros binários ou não-binários, ou seja, a pessoa que não se identifica como homem nem como mulher. Há quem considere a pansexualidade uma moda ou algo para chamar a atenção e se diferenciar dos demais. Sinceramente, discordo disso. Vejo as pessoas cada vez mais em busca daquilo que dá prazer, sem medo dos julgamentos, e isso faz com que se sintam livres para simplesmente amar pessoas e não seus gêneros. O indivíduo pode se aprofundar no processo de autoconhecimento e romper crenças limitantes sobre sua sexualidade a fim de viver de forma singular e autêntica aquilo que o faz feliz. Existem diversos valores e padrões rígidos na nossa cultura e na maioria das famílias. Assumir a preferência por se relacionar com pessoas em geral, sem medo de ser julgado, ocorre para os poucos com coragem de se assumirem. Muitos ainda têm medo de rótulos e do preconceito da parte de quem é ignorante e rotula os pansexuais como pervertidos, viciados em sexo ou promíscuos, o que não tem relação nenhuma. Na verdade, pansexuais podem ser monogâmicos também.

Entre as celebridades, muito mais mulheres do que homens se declaram pansexuais. Tem a ver com a expectativa opressora em relação à sexualidade masculina?

Sim, a maioria dos homens é repreendida cada vez que expressa suas características femininas. Eles são reprimidos ao tentar ser vulneráveis, expressar emoções ou pedir ajuda. São educados a serem profundamente desconectados de sua sensibilidade, da capacidade de demonstrar afeto e até da sua sexualidade. Há pesada cobrança em relação aos homens. As pessoas só esquecem que há energia masculina e feminina em todos nós. O principal motivo de só recentemente os famosos assumirem sua orientação sexual é o preconceito, principalmente na área profissional. Por medo de ver as “portas se fecharem”, muitos não se assumiram e outros se descobriram ou se permitiram mais tarde. Conforme os pensamentos foram mudando e parte da sociedade passou a encarar as 52 opções de gênero como algo inegável, essas pessoas se libertaram. O comportamento sexual humano é diversificado e determinado por uma combinação de fatores, tais como os relacionamentos do indivíduo, as próprias circunstâncias de vida e pela cultura na qual ele vive. Tanto homens como mulheres possuem uma gama de necessidades sexuais que podem variar ao longo de suas vidas, incluindo sexualidade direcionada para o mesmo sexo, mas isso ainda é conflitante para muitas pessoas e sociedades. Resiste o mito de que a liberdade sexual pode ocasionar promiscuidade e bizarrices. Esse pensamento é equivocado e desrespeitoso porque cada pessoa tem o direito de viver sua sexualidade como quiser.

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