Atenção: este texto contém spoilers.
Sucesso de visualizações e críticas, Hollywood mostra os bastidores da cidade-sede do cinema americano na década de 1940. O roteiro gira em torno de um filme a respeito de uma atriz frustrada que se joga do alto do icônico letreiro de Hollywood no Mount Lee, onde todo turista que vai a Los Angeles faz uma foto. Entretanto, questões sociais atreladas aos estúdios quase deixam a sétima arte em segundo plano.
A homossexualidade é o fio que costura as tramas dos personagens principais, mesmo daqueles que são heterossexuais. No início da série, o roteirista do tal longa, negro e gay, ganha a vida em um posto de gasolina onde os frentistas prestam serviços sexuais a homens e mulheres. Ali também está o bonitão casado que sonha virar galã nas telonas.
É nesse ambiente que o roteirista conhece um ator iniciante que tenta desesperadamente disfarçar sua sexualidade e que será usado como objeto de prazer por um tirânico descobridor de talentos. No fim, esses e outros personagens estarão unidos contra a homofobia, a discriminação racial e o machismo — três mazelas institucionalizadas na Hollywood da era de ouro e ainda imanentes ao mundo atual.
Naquele agitado posto onde transitam os clientes e michês, a senha para pedir um programa sexual é "I want to go to Dreamland", ou seja, "Eu quero ir para a Terra dos Sonhos". Entenda-se como sonho não apenas o prazer carnal a partir do despudor, mas também a liberdade momentânea de ser o que se é, fazer o que se gosta, viver acima das convenções castradoras. Aspectos familiares a qualquer homossexual de 1940 ou 2020. Se a Netflix precisasse rebatizar a série Hollywood, poderia chamá-la Gayland.
A série do produtor gay Ryan Murphy, o mesmo de Glee e American Horror Story, acerta especialmente ao destacar a homofobia internalizada de um cinquentão solitário que se mantém no armário. Diante de seus olhos, o destemor de jovens gays, decididos a enfrentar o conservadorismo da sociedade, o faz repensar a própria vida e se permitir o amor até então proibido.
Há, obviamente, fantasia excessiva, típica do jeito americano de fazer filmes para agradar ao maior número possível de pessoas. O desfecho açucarado de quase todos os personagens está distante da realidade de quem faz parte, anonimamente ou em militância, da comunidade LGBTQI+. Mesmo assim, não deixa de ser um alento em tempos tristes de distanciamento físico por conta da pandemia do novo coronavírus e múltiplas incertezas em relação ao futuro individual, coletivo e das artes.