A sexta-feira (14) foi atípica nas reuniões de pauta do telejornalismo da Globo. Os editores discutiram duas notícias inimagináveis até então: o crescimento da popularidade de Jair Bolsonaro, apontado em pesquisa do Datafolha (37% de "bom ou ótimo"), e a citação de dois dos três donos da emissora — os empresários e irmãos Irineu Roberto Marinho e José Roberto Marinho — em delação do "doleiro dos doleiros" Dario Messer ao Ministério Público Federal, segundo a revista Veja.
Ambos os assuntos foram abordados no Jornal Nacional. A recuperação súbita da aprovação do presidente mereceu gráfico comparativo dos levantamentos anteriores, quando a imagem dele estava mal avaliada. A 'bomba' sobre o suposto fornecimento clandestino de dólares à família Marinho recebeu abordagem sucinta. William Bonner leu uma "nota seca", sem imagem ilustrativa.
"A respeito de notícias divulgadas sobre a delação de Dario Messer, esclarecemos que Roberto Irineu Marinho e João Roberto Marinho não têm e nunca tiveram contas não declaradas às autoridades brasileiras no exterior. Da mesma forma, nunca realizaram operações não declaradas às autoridades brasileiras", informou o âncora e editor-chefe.
Principal concorrente da Globo no Ibope e na linha editorial, a RecordTV dedicou 1 minuto e 35 segundos para o tema em seu principal telejornal noturno. "O doleiro Dario Messer, que é investigado pela Lava-Jato, disse em delação premiada que entregava pacotes de dinheiro para integrantes da família Marinho, dona da Rede Globo", introduziu Cristina Lemos, apresentadora do Jornal da Record.
Ao vivo, a repórter Vivian Casanova informou detalhes das hipotéticas operações com moeda norte-americana, mas não incluiu uma informação destacada em outros veículos de comunicação: Dario Messer disse que entregava os dólares na sede da Globo, no Rio, porém nunca encontrou pessoalmente Roberto Irineu Marinho e João Roberto Marinho.
Independentemente da veracidade e dos detalhes desse relato, a simples citação dos Marinhos pelo doleiro incriminado gerou ciclópica publicidade negativa à emissora. Sites ligados a lulistas e bolsonaristas não disfarçaram a satisfação em noticiar o conjectural envolvimento dos homens mais poderosos da TV brasileira com o operador de um esquema bilionário de lavagem de dinheiro.
Como se sabe, a Globo desagrada tanto a poderosos e seguidores da direta quanto aos da esquerda. Vê-la sob suspeita de alguma irregularidade dá munição a seus críticos. O principal deles, o presidente Jair Bolsonaro, interrompeu a fase "paz e amor" para atacar o canal considerado "inimigo".
No Twitter, postou um cálculo do quanto os donos da emissora teriam recebido em esquema supostamente clandestino. "R$ 1,75 bilhão é o valor que pode ter sido repassado, em dinheiro vivo à família Marinho da Globo, segundo o doleiro Dario Messer", escreveu. No sábado, em outro tweet a respeito do assunto, fez uma provocação: "Aguardando para o Fantástico de amanhã".
O jogo virou: agora o atacado Bolsonaro está em alta e sua grande crítica Globo enfrenta um momento delicado, com risco à sua credibilidade. O Brasil parece uma novela, com os telespectadores sempre surpreendidos com as reviravoltas na trama e ansiosos para ver as cenas dos próximos capítulos.