Nas primeiras conversas logo após entrar na casa do ‘BBB21’, Lucas Penteado sugeriu a união dos participantes pretos. Imaginou que um protegeria o outro. O objetivo era levar um deles até a final. Mas foram alguns daqueles negros a quem ele pretendia se aliar os responsáveis por seus piores momentos no reality show. Outros competidores não foram tão cruéis, mas assistiram de camarote ao terror psicológico, aos insultos e à intimidação contra o rapaz.
Equivocado e impulsivo, Lucas rapidamente foi apontado como vilão da edição. Tornou-se uma presença tóxica na avaliação da maioria dos brothers e sisters, e igualmente indesejável na avaliação de boa parte do público. Contudo, as dores emocionais impostas ao ator — especialmente da parte de Karol Conká — comoveram milhões de telespectadores na mesma proporção da revolta gerada por quem o açoitou psicologicamente.
Lucas errou muito, mas não merecia (ninguém merece) tanto desprezo, hostilidade e coerção. Quem agiu na expectativa de jogá-lo contra o público e vê-lo eliminado conseguiu o contrário: torná-lo o campeão moral do ‘BBB21’, mesmo após sua desistência. O ator volta à ‘vida real’ com fama imensurável, a solidariedade de anônimos e celebridades, promessas de ajuda financeira e trabalho. O novo status vai fazê-lo faturar bem mais do que o prêmio de R$ 1,5 milhão.
Na turbulenta passagem do artista pelo programa, a Globo falhou algumas vezes. Falhas graves. Não poderia ter permitido o tratamento desumano ao rapaz. O jogo não é mais importante do que a saúde mental dos competidores. Anterior à covid-19 já havia uma pandemia de ansiedade, depressão e outros transtornos. Transformar a tortura psicológica de alguém em entretenimento vai além do execrável, beira o criminoso.
Outro erro indesculpável foi cometido por Boninho, o diretor que às vezes se comporta como o próprio personagem ‘Big Brother’ do romance distópico ‘1984’, de George Orwell, obra inspiradora para a criação do formato do programa. Em áudio vazado após falha técnica, em conversa reservada (e inadequada) com Projota, ele fez comentários sobre o efeito do álcool em Lucas.
“Bebia e virava gremlin”, diz, em comparação infeliz que pode até ser interpretada sob conotação racial. “A gente não sabia que ele não podia beber. A gente só descobriu depois que ele estava aí dentro. A gente não deveria nem ter deixado ele entrar. Até para a saúde mental dele.”
Com essa declaração, Boninho sugeriu que Lucas é alcoólatra e culpou o ator por seu suposto alcoolismo. Detalhe: um dos patrocinadores do programa é uma marca de cerveja. Quantas vezes vimos participantes bêbados no ‘Big Brother Brasil’? Muitas, dezenas. Acompanhamos cenas deprimentes de competidores cambaleantes, alterados, deprimidos, absortos, distantes de um estado emocional saudável.
Embriagaram-se porque havia oferta generosa de álcool nas festas. A embriaguez eventual de brothers e sisters sempre foi exibida como uma atração, parte do show. Enquanto isso, 3 milhões de pessoas morrem em consequência do consumo abusivo de álcool a cada ano no planeta.
Agora, a Globo sinaliza que vai oferecer suporte terapêutico a Lucas. Não fará mais do que a obrigação. Resta saber como os danos morais serão compensados. Já os algozes do ex-brother receberão, um a um, a merecida lição do público, como em uma boa vingança de novela.