A edição de quarta-feira (10) do ‘Jornal Nacional’ dedicou 12 minutos à cobertura do primeiro discurso de Lula após a anulação de condenações vinculadas à Operação Lava Jato. A matéria ignorou as citações do ex-presidente ao jornalismo do canal.
Na segunda-feira, o ‘JN’ usou quase 30 minutos da pauta para esmiuçar a decisão do ministro do STF Edson Fachin de livrar o petista da sentença de corrupção passiva e lavagem de dinheiro proferida pelo então ministro Sergio Moro e confirmada em instâncias superiores.
No dia seguinte, outro tempo valioso preenchido com o voto do ministro Gilmar Mendes, da Segunda Turma, sobre a suposta falta de imparcialidade de Moro na relação com os procuradores lavajatistas e no julgamento do caso do tríplex do Guarujá.
Com várias emissoras transmitindo o discurso ao vivo, inclusive a GloboNews, Lula foi à desforra contra a emissora da família Marinho. “Fiquei muito feliz porque depois da divulgação de tanta mentira contra mim, ontem eu acho que nós tivemos um ‘Jornal Nacional’ épico”, disse, entre a crítica e a ironia. “Acho que quem assistiu televisão não estava acreditando no que estava vendo. Pela primeira vez, a verdade prevaleceu”, afirmou.
Em outro momento, foi enfático ao falar novamente do canal. “Eu espero que a verdade versada pela Globo ontem seja um novo padrão de comportamento da Globo com a verdade. A Globo não tem que gostar ou não gostar de presidente. Não tem que gostar ou não gostar de partido. Isso ela decide na hora de votar. Na hora de informar a verdade, apenas e somente a verdade.”
Lula aproveitou a visibilidade para rememorar um dos episódios mais polêmicos do jornalismo do canal carioca. “A Globo fez aquela ‘mutreta’ nos debates. Em 1989, eu fui para o segundo turno, mas não ganhei porque a Globo me roubou”, disse.
No dia seguinte ao último debate entre Lula e Collor, matéria no ‘Jornal Nacional’ mostrou o então ‘caçador de marajás’ como vencedor. “A Globo foi acusada de ter favorecido o candidato do PRN tanto na seleção dos momentos como no tempo dado a cada candidato, já que Fernando Collor teve um minuto e meio a mais do que o adversário”, registra o projeto ‘Memória Globo’.
O texto da própria emissora diz ainda que “o episódio provocou um inequívoco dano à imagem da Globo”. Duas décadas depois da controvérsia, o todo-poderoso do canal naquela época, Boni, admitiu que a Globo beneficiou Collor no confronto decisivo pouco antes da eleição presidencial. A ordem para reeditar o material em detrimento de Lula partiu de Roberto Marinho, dono da emissora e simpático ao candidato da elite.
Em 7 agosto de 2003, o então presidente Lula viajou de Brasília ao Rio para o velório do fundador do império Globo. Na ocasião, disse à imprensa ter superado a mágoa. “Eu tive dois grandes momentos (com Roberto Marinho). Um em Paris, quando discutimos as eleições de 89, e outro, na sede de ‘O Globo’, quando discutimos a participação dele no impeachment do Collor. Os dois momentos foram importantes. Conhecendo melhor as pessoas é que a gente pode analisar o que leva essas pessoas a tomarem grandes decisões.”
A matéria de ontem da repórter Patricia Falcoski no ‘Jornal Nacional’ foi ao ar pouco depois no ‘Jornal das 10’ da GloboNews. Mais cedo, a emissora de notícias havia reagido às declarações de Lula, em oposição ao silêncio adotado pelo ‘JN’. A âncora Aline Midlej, que acompanhou o discurso do ex-presidente, leu nota oficial.
“O ex-presidente Lula fez críticas aos órgãos de imprensa e à Globo em especial. Elogiou a cobertura do ‘Jornal Nacional’ de ontem, que classificou de épica. Deu a entender que ontem a Globo relatou a verdade, o que antes não fazia”, disse.
“Desejou que este passe a ser o padrão do jornalismo da emissora. O ex-presidente está errado. O jornalismo da Globo se dedica a relatar os fatos e buscar a verdade, e vai continuar a fazê-lo. Mas não somente os fatos e as verdades que lhe são favoráveis.”