Um das obras de estilo gótico mais famosas da literatura universal é O Médico e o Monstro, lançada pelo escocês Robert Louis Stevenson em 1886.
Nela, Dr. Henry Jekyll cria uma poção capaz de liberar os piores impulsos do ser humano.
Ao tomá-la periodicamente, ele transforma-se em Mr. Hyde, um ser sem qualquer impedimento moral para deixar fluir sua natureza perversa.
Quando o efeito passa, volta a dominar o caráter do respeitado médico. Durante algum tempo, Dr. Jekyll se diverte com sua segunda identidade.
No desfecho, a falta de um ingrediente para preparar nova dose do tal elixir resulta numa tragédia.
O texto é quase um estudo sobre o fenômeno de múltiplas personalidades, também chamado de dupla personalidade.
Toda sociedade já testemunhou, por meio da atuação da imprensa, a descoberta de celebrados ‘médicos’ que se tornaram ‘monstros’.
Em 2002, acompanhamos a descoberta da outra face de Eugênio Chipkevitch, conceituado psicoterapeuta especializado em adolescentes.
Foi condenado a mais de 100 anos de prisão por abuso sexual de 40 pacientes do sexo masculino, entre 8 e 17 anos.
O caso veio à tona após um técnico de manutenção de telefonia encontrar dezenas de fitas com gravações dos crimes, feitas pelo próprio Chipkevitch, e encaminhá-las a canais de TV.
Outro caso de pessoa pública que ocultava ações desprezíveis envolveu o premiado especialista em reprodução humana Roger Abdelmassih, até então incensado em programas femininos.
Cerca de 60 mulheres o denunciaram à Justiça. Os crimes sexuais geraram sentença de quase 300 anos de prisão.
Agora, a imprensa destaca o que seria a personalidade conflitante de João de Deus, pseudônimo de João Teixeira de Faria, o médium curador mais famoso do País.
Passam de 330 os relatos de mulheres que se sentiram abusadas durante atendimento espiritual na Casa Dom Inácio de Loyola, em Abadiânia, Goiás.
É como se existissem dois Joões: o homem iluminado que teria curado milhares de pessoas e o homem vil capaz de molestar almas desesperadas em busca de cura.
No último fim de semana, as emissoras deram amplo espaço à decretação da prisão do médium e a um depoimento de sua filha mais velha à revista Veja, no qual afirma ter sido violentada pelo pai.
A cobertura jornalística desse tipo de ocorrência hipnotiza e assusta os telespectadores. Há quem acuse a mídia de atuar com sensacionalismo. Os fatos narrados pelas vítimas é que são, por si só, escandalosos.
Os veículos de comunicação ofereceram espaço a João de Deus, porém, por enquanto, o espiritualista não quis se defender diante de câmeras e microfones.
As tramas de Chipkevitch e Abdelmassih e, a se confirmar, a de João de Deus, superam em horror as atrocidades descritas em ‘O Médico e o Monstro’.
A realidade, mais uma vez, estrangula a ficção. Cabe ao telejornalismo divulgar a verdade, ainda que seja dolorosa e ultrajante a quem está em frente da TV.
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