Imagine o âncora e editor-chefe William Bonner dizer no Jornal Nacional que o presidente Jair Bolsonaro é uma “ameaça à vida” dos brasileiros, e criticá-lo todas as noites, usando adjetivos nada lisonjeiros e generosa dose de sarcasmo. É o que acontece no horário nobre do canal MSNBC com o The Rachel Maddow Show. A dona do programa se tornou a jornalista mais odiada por Trump e seus apoiadores nos Estados Unidos.
Feita em outubro, a declaração a respeito da suposta letalidade representada pelo presidente dos Estados Unidos faz parte do amplo repertório de ataques da apresentadora contra o republicano. Além de condenar a linguagem, o comportamento e as decisões institucionais de Trump, Rachel também abre espaço para que outros desafetos dele o ataquem diante das câmeras. Foi assim quando entrevistou Mary Trump, autora de um livro bombástico sobre o tio famoso.
Se a Fox News é uma espécie de canal oficial do trumpismo, onde se faz defesa enfática do presidente, a atração de Maddow tem audiência quase 100% democrata e anti-Trump. Nos últimos anos, a jornalista passou a exercer tanta influência sobre a visão política de seus telespectadores que ganhou na imprensa o apelido ‘kingmaker’, fazedora de reis. Nesta eleição, teria convencido milhares de americanos a sair de casa para tentar eleger Joe Biden, ainda que o voto não seja obrigatório nos EUA.
De família “extremamente católica”, Rachel Maddow cresceu em uma comunidade conservadora. Foi uma adolescente antissocial. Na faculdade, um jornal estudantil publicou que ela era lésbica antes mesmo de ter contado a seus pais. Concluiu doutorado em Filosofia com uma tese a respeito dos cuidados com pacientes HIV em prisões americanas e britânicas. Virou ativista em prol das pesquisas sobre a cura da Aids e os direitos dos pacientes da doença.
A liberdade com que lida com a própria sexualidade e a visibilidade imensurável na TV, onde se tornou a primeira âncora mulher abertamente gay, fizeram Maddow ser incluída algumas vezes na lista de pessoas LGBT+ mais influentes da América das revistas ‘Out’, ‘The Advocate’ e ‘Time’. No ar com seu programa há 11 anos, ela está entre os 10 jornalistas mais bem pagos da TV americana, com salário anual de 7 milhões de dólares, cerca de R$ 40 milhões. Famosa, rica e poderosa aos 47 anos, Rachel vive em Nova York com sua parceira de longa data Susan Mikula, uma premiada fotógrafa de 62 anos.
Apesar de bem-sucedida, ela vê pouco avanço na luta contra o machismo dentro das emissoras de TV. “Importante não apenas que tenhamos mais mulheres na televisão, mais mulheres apresentando seus próprios programas, mas que tenhamos mais mulheres executivas. Simplesmente não existem tantas mulheres no topo em funções de tomada de decisão. E quando há mulheres nesses empregos, elas não ficam muito tempo. Isso é um sintoma do sexismo na indústria”, disse ao ‘Financial Times’.