Em maio de 2011, uma acusação de crime sexual contra o então diretor-geral do FMI (Fundo Monetário Internacional), Dominique Strauss-Kahn, que liderava as pesquisas de intenções de votos para a Presidência da França, produziu histeria na imprensa planetária. O todo-poderoso da economia global foi preso sob suspeita de atacar sexualmente uma camareira, a imigrante guineense Nafissatou Diallo, na suíte presidencial do Hotel Sofitel, em Nova York. O escândalo rendeu a minissérie documental Room 2806 (Quarto 2806: A Acusação), que estreou há poucos dias na Netflix.
Os quatros episódios dirigidos com vigor e criatividade pelo parisiense Jalil Lespert — ator de vários filmes e diretor da elogiada cinebiografia ‘Yves Saint Laurent’, de 2014, a respeito do icônico estilista — revelam a guerra de advogados nos bastidores, a operação para destruir a reputação da camareira, o histórico de compulsão sexual de Strauss-Kahn e a opção de parte da imprensa pelo sensacionalismo asqueroso.
Uma história paralela envolve a mulher do líder do FMI na ocasião, a famosa jornalista e apresentadora de TV francesa Anne Sinclair, herdeira de fortuna equivalente a R$ 1 bilhão. A história de amor do casal e as atitudes dela diante do escarcéu midiático protagonizado pelo marido mulherengo parecem trama de novela. Apesar da humilhação pública ao ser vista como esposa iludida e traída, Anne se manteve firme ao lado do companheiro. Pediu o divórcio somente depois da explosão de outro escândalo sexual com Strauss-Kahn, também abordado na minissérie.
Quarto 2806 lança questionamentos e sugestões. Destaca contradições na narrativa da vítima, o comportamento estranho de alguns funcionários do hotel, a desconfiança de que o presidente da França Nicolas Sarkozy, rival de Strauss-Kahn, estaria por trás de suposta armação. Há ainda denúncia de preconceito racial contra a camareira negra. O caso apresenta tantas nuances e surpresas que parece um romance de espionagem escrito pelo inglês John Le Carré, morto aos 89 anos no domingo (13).
A mídia soube capitalizar aquele espetáculo deplorável. Ao longo de meses, o caso Strauss-Kahn impulsionou a venda de jornais populares e aumentou o público de telejornais. Em algumas audiências na corte de Nova York, com a presença do acusado, mais de 200 repórteres, cinegrafistas e fotógrafos de vários Países se amontoavam em busca da melhor imagem e de declarações bombásticas. O microfone da Globo aparece em algumas dessas cenas de Quarto 2806.
Como o caso judicial termina? Não é preciso ser vidente para saber. Mais uma vez, prevaleceram o poder financeiro, a influência social e a estratégia de advogados caros. Ainda que o final seja conhecido por todos, a minissérie documental prende a atenção e entretém. Melhor ser vista em maratona: os quatro capítulos de uma vez. Depois disso, impossível não dar um Google para saber mais sobre o que aconteceu com os personagens principais desse folhetim da vida real.