No desfecho de 'Vale Tudo', novelão relançado na plataforma Globoplay, o vilão corrupto Marco Aurélio (Reginaldo Faria) 'dá uma banana' para o Brasil enquanto foge com milhões de dólares a bordo de um jatinho. O gesto simbolizou a injustiça e a impunidade predominantes no País do 'jeitinho', onde quem tem dinheiro e poder geralmente se livra de pagar por seu crimes.
Um dos autores da trama, Aguinaldo Silva (que escreveu o folhetim com Gilberto Braga e Leonor Bassères), fez uma reflexão a respeito no Twitter. "Vale a pena ser honesto no Brasil? A novela 'Vale Tudo' fez essa pergunta aos brasileiros em 1988. E a resposta veio no final quando o personagem mais corrupto, fugindo num avião, deu uma banana para o País lá embaixo: não vale. Mas a gente continua lutando contra isso até hoje", escreveu.
Após 32 anos, 'Vale Tudo' não envelheceu. Continua a ser um retrato do Brasil contemporâneo. Houve avanços na luta da sociedade e de instituições sérias contra a roubalheira generalizada dos bens públicos, mas ainda vivemos sob a tal Lei de Gerson, usada por quem pisoteia princípios éticos e morais a fim de tirar alguma vantagem pessoal.
O Brasil de 2020 segue o mesmo daquele descrito no tema de abertura da novela, composto pelo genial Cazuza e na interpretação insuperável de Gal Costa. A canção espelha o brasileiro que se acha mais esperto do que os demais e merecedor de regalias, mesmo que à base da ilicitude.
"Não me subornaram / Será que é o meu fim?", diz um trecho. O refrão ressalta o País como um grande balcão de negócios: "Brasil / Mostra a tua cara / Quero ver quem paga / Pra gente ficar assim / Brasil / Qual é o teu negócio? / O nome do teu sócio? / Confia em mim".
O relançamento de 'Vale Tudo' ressalta o saudosismo com as novelas do passado. Ainda que comparar seja inadequado, a maioria dos folhetins de hoje carece da força dramatúrgica e conexão com a realidade representadas pela honesta Raquel (Regina Duarte), a brasileira que, mesmo passada para trás várias vezes, não desiste nunca.
A teledramaturgia cumpre seu papel quando oferece escapismo efêmero, porém, se torna mais relevante ao espelhar o que acontece na vida real do telespectador e suscitar debate público a respeito do que somos e queremos como nação - essa "grande Pátria desimportante", na definição contundente de Cazuza.