No filme Coringa, após reagir a provocações e matar três yuppies de Wall Street num vagão de metrô em Nova York, o palhaço Arthur Fleck corre por ruas escuras do subúrbio da metrópole. Tranca-se em um decadente banheiro público e, tomado pela adrenalina, entra em uma espécie de transe.
Ele faz uma dança macabra ao som de um solo de cello. O momento solitário marca a transformação do personagem: o introspectivo e pávido Arthur assume a partir dali a personalidade do assustador e perigoso Coringa.
No capítulo de Amor de Mãe exibido sábado (dia 22), a autora Manuela Dias fez alusão à cena do drama que rendeu o Oscar de Melhor Ator a Joaquin Phoenix pela atuação magistral.
O vilão Álvaro (Irandhir Santos) imitou alguns movimentos feitos por Arthur/Coringa na introdução da virada do personagem no folhetim das 21h da Globo.
O 'careca' dançou sozinho, em seu quarto, embalado por um trecho da ária O Mio Babbino Caro, da ópera Gianni Schicchi, do compositor italiano Giacomo Puccini.
Na parte final executada na cena, a letra diz "Oh, Dio, vorrei morir". Em português, "Oh, Deus, eu gostaria de morrer". "Esse Álvaro precisa morrer para nascer um novo Álvaro hoje", explicou o crápula à sua cúmplice Penha (Clarissa Pinheiro), no mesmo capítulo.
Mais tarde, ele foi atingido por um tiro milimetricamente combinado. O ápice da armação para limpar sua imagem pública ao ser visto como salvador da vida de seu novo inimigo, Raul (Murilo Benício). Golpe de mestre.
E ainda há quem diga que a teledramaturgia brasileira não tem qualidade artística. Amor de Mãe se revela acima da média na construção das tramas, nos diálogos, nas referências, nas interpretações e na direção. Uma novela que exige ser compreendida para então ser admirada. Sorte do telespectador que aceita o desafio.
(A quem quiser ouvir a ária O Mio Babbino Caro, sugiro assistir no YouTube a vídeos de apresentações das sopranos Maria Callas e Montserrat Caballé. Ambas ajudaram a imortalizar a obra com atuações primorosas.)