O Neymar de 2010, com 18 anos, ficaria surpreso ao ver a evolução do Neymar de 2020, aos 28. O garotão alienado que ignorava o racismo estrutural se tornou um homem consciente dessa anomalia social.
Na terça-feira (8), ele comandou a mobilização em Paris dos jogadores do PSG e do Istanbul Basaksehir contra o quarto árbitro flagrado chamando de “preto” um membro africano da comissão técnica do time turco.
“Não vamos jogar”, decretou o brasileiro, voz cada vez mais poderosa e atuante contra o racismo no futebol. A partida foi suspensa e o ato coletivo dos atletas repercutiu nos quatro cantos do planeta.
Esse Neymar de hoje, inteirado de sua ascendência e do papel comunitário que se espera dele, em nada lembra o rapaz imaturo de uma década atrás, época na qual a luta antirracista tinha menor adesão dos ícones do esporte.
Naquela ocasião, em uma entrevista ao ‘Estadão’, o jovem ídolo do Santos demonstrou desconhecimento a respeito da própria identidade racial e da importância da luta contra o preconceito.
Questionado se já havia sido vítima de racismo, ele deu uma resposta incongruente. “Nunca. Nem dentro e nem fora de campo. Até porque eu não sou preto, né?”
No Brasil, onde prevalece o colorismo, a pessoa de ascendência negra com pele mais clara, como Neymar, passa por ‘parda’, ‘morena’ ou outro eufemismo qualquer. No exterior não existe essa interpretação.
O atacante tomou um choque de realidade em relação à própria negritude em 2014, quando se tornou alvo de manifestações racistas em jogos do campeonato espanhol.
Foi quando percebeu que toda pessoa vista como não-branca, independentemente da autodefinição, se torna alvo potencial de discriminação.
Ao sentir o preconceito na pele, Neymar aderiu à campanha ‘Somos Todos Macacos’, criada após Daniel Alves comer uma banana atirada contra ele em campo com a intenção de insultá-lo.
Sob a ótica brasileira, o famoso lateral-direito também não seria considerado negro por não ser retinto e ter olhos claros. Fora daqui, tal subjetividade na classificação racial não existe.
A partir de recorrentes episódios racistas no seu entorno privilegiado, atingindo a ele próprio e a amigos, Neymar desenvolveu consciência sobre a questão.
Passou a apoiar manifestações antirracistas e se uniu a colegas do futebol para reagir aos frequentes atos de discriminação nos estádios. A ira entre torcidas infla o racismo internalizado de muitos torcedores.
Em setembro, o astro do PSG foi expulso de campo após reagir com um tapa a uma provocação odiosa do zagueiro espanhol Álvaro González, do Olympique de Marseille.
“Macaco filho da puta”, disse o oponente, de acordo com leitura labial feita por especialistas. O caso teve repercussão planetária. O Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos divulgou nota em solidariedade a Neymar.
O brasileiro já havia sofrido ofensivas racistas. Uma em abril de 2015, quando torcedores do Espanyol fizeram sons de macaco toda vez em que ele tocava a bola. Oito meses depois, recebeu insultos verbais proferidos por pagantes do mesmo clube catalão.
Tais ocorrências baseadas em preconceito e ódio certamente geraram no jogador dores emocionais e maior conexão com a realidade. Sua postura midiática contra o preconceito se faz imprescindível nessa luta por respeito e igualdade. O menino Ney cresceu e amadureceu.