O Jornal Nacional passa por uma transformação. Os âncoras William Bonner (também editor-chefe) e Renata Vasconcellos (editora-executiva) têm feito comentários, às vezes de improviso, para evidenciar o risco representado pelo novo coronavírus. A pauta do telejornal está mais humanizada, com ênfase na trágica contabilidade das mortes que se repete (e avoluma) dia após dia desde o primeiro óbito por covid-19 no País, em 17 de março.
Na quarta-feira (6), Bonner abriu a edição com um 'puxão de orelha' no telespectador. Ele condenou a inaceitável banalização do número de mortos. Foi uma tentativa de dar um choque de realidade em quem ainda não acredita na importância do distanciamento social. "Você já nem deve lembrar, mas na quinta passada eram 5.901 mortos. Os números vão aumentando desse jeito, cada vez mais rápido, vão dando saltos, e vai todo mundo se acostumando porque são números", disse o âncora.
"Um número muito grande de mortes, de repente, num desastre, sempre assusta. As pessoas levam um baque. Morreram mais de 250 pessoas em Brumadinho, é uma tragédia. Nos Estados Unidos, em 2001, morreram quase 3 mil nos atentados do 11 de setembro. Três mil, assim, de repente. Mas quando as mortes vão se acumulando ao longo de dias e de semanas como acontece agora na pandemia, esse baque se dilui, e as pessoas vão perdendo a noção do que seja isso", continuou, reflexivo.
"Oito mil vidas acabaram. Eram vidas de pessoas amadas por outras pessoas. Pais, filhos, irmãos, amigos, conhecidos. Aí o luto dessas tantas famílias vai ficando só para elas, porque as outras pessoas já não têm nem como refletir sobre a gravidade dessas mortes todas que vão se acumulando todo dia, todo dia. Hoje são 8.500. Amanhã? A gente não sabe. Quando é assim, o baque só acontece quando quem morre é um parente, um amigo, um vizinho ou uma pessoa famosa."
O JN também está mais crítico. O presidente Jair Bolsonaro é abertamente refutado no telejornal por suas declarações e atitudes contrárias às recomendações dos especialistas em saúde. Na quarta-feira da semana passada, um Bonner quase irritado o contestou: "Bolsonaro disse que as mortes ocorreram mesmo com as medidas decretadas por governadores e prefeitos. É uma afirmação que contraria frontalmente tudo o que afirma a unanimidade das autoridades sanitárias, dos médicos, dos especialistas. Que, se não fosse o isolamento, o número de mortes seria muitas vezes mais alto do que ocorre hoje, muitas vezes. E que o aumento do número de mortes ocorre exatamente neste momento em que muitas pessoas começam a descumprir o isolamento social".
Além de mostrar diariamente o caos provocado pela doença no sistema público de saúde, o JN passou a destacar histórias de vítimas fatais da covid-19. Em quase toda edição dá rosto e nome aos números frios de mortos. Outra iniciativa admirável é acompanhar o trabalho sacrificante dos profissionais da saúde, assim como valorizar os trabalhadores 'invisíveis' que mantêm o Brasil funcionando — e garantem o conforto e a segurança dos brasileiros confinados em casa — no quadro Recado Essencial. Outro segmento, o Solidariedade S/A, apresenta as ações de grandes empresas comprometidas em promover a prevenção ao contágio e minimizar o impacto social da pandemia.
A essência do jornalismo, tantas vezes perdida, deve ser sempre essa: retratar pessoas e suas histórias, seus sentimentos. Toda notícia nasce de alguém e impacta um outro alguém. Não se pode desprezar, no meio do caminho, a matéria-prima chamada humanidade. E a mídia acerta quando oferece um pouco de esperança ao público.
Após reclamação do ministro-chefe da Secretaria de Governo da Presidência, Luiz Eduardo Ramos, a respeito do excesso de manchetes negativas na imprensa, os telejornais da Globo e GloboNews passaram a informar com mais frequência o número de brasileiros recuperados da covid-19. Esse índice não diminui a comoção pelos mortos, porém, produz algum alívio emocional diante de uma calamidade sem data para acabar.