Pedreiro batalha pelo sonho de ser modelo internacional

Francisco Albuquerque superou a obesidade e a depressão com a força de vontade que hoje transmite a outras pessoas na web.

12 fev 2020 - 15h39
(atualizado em 18/2/2020 às 17h14)

Para realizar um projeto de vida é imprescindível colocar a mão na massa. Às vezes, literalmente. Acontece com o curitibano Francisco Albuquerque, de 25 anos. Ele ganha a vida fazendo muita massa com água e cimento. 

Morador de Campo Largo (PR), o servente de pedreiro loiro, de 1,85m e 85 quilos, quer trocar as obras pelos estúdios fotográficos e as passarelas. Sonha se tornar modelo de sucesso no exterior. Para isso, usa o esforço físico como trabalhador braçal na preparação para tentar o estrelato no mundo da moda e no universo da publicidade.

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Francisco transformou seu dia a dia em uma espécie de reality show. Compartilha cada etapa de sua caminhada no Instagram (@pedreiromodel) e no YouTube (canais Francisco Albuquerque e Abismo Interno). Compartilha não apenas os treinos físicos, mas também mensagens motivacionais a partir de suas experiências de vida. Há ainda generosa dose de humor. O rapaz mostra ter talento para a comédia stand up.

Francisco Albuquerque posa com ferramenta usada na obra: 'pedreiro raiz' com pinta de galã
Francisco Albuquerque posa com ferramenta usada na obra: 'pedreiro raiz' com pinta de galã
Foto: Divulgação

O 'pedreiro model' conversou com o Terra a respeito de seus planos.

Terra: Quando surgiu o sonho de ser modelo?

Francisco Albuquerque: Desde os meus 8 anos, algumas pessoas diziam que eu tinha o perfil. Mas quando criança eu era gordinho, tinha baixa autoestima e fui enganado por agências. E também nunca tive dinheiro para investir nisso.

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Como é sua família? Já passaram por dificuldades?

Minha família não é miserável, mas de origem humilde. Minha mãe veio sozinha do interior do Paraná para Curitiba, aos 17 anos, trabalhar de diarista. Logo ela casou e, quando eu tinha 2 anos, se separou. Saiu de casa só comigo e uma mochila com roupas nas costas. Moramos de favor com meu tio, depois de aluguel e então ela conseguiu comprar nosso terreno e construir nossa casa, ganhando um salário mínimo na época. Durante esse processo, tiveram meses de aluguel atrasado, luz e água cortadas... Não cheguei a passar fome, mas teve dias em que só tinha um pão seco para comer, enquanto minha mãe limpava a casa de gente rica com muita comida boa na geladeira. Ela me ligava chorando dizendo que não conseguia comer, porque sabia que em casa não tinha quase nada para me alimentar. Eu dizia para não se preocupar porque tinha aprendido na TV a beber bastante água para não ficar com fome. Aprendi a ser responsável muito cedo, e ela sempre me ensinou a ser forte e ver o lado positivo de tudo. Foi uma mãe e um pai ao mesmo tempo.

Teve apoio da família ao decidir correr atrás do sonho de ser modelo?

Minha mãe sempre acreditou mais nisso do que eu. Alguns familiares e conhecidos tentaram me desestimular falando que era difícil, que devia investir numa profissão que desse garantias.

O que você estudou e com o que trabalhou antes de se tornar assistente de pedreiro?

Estudei em escola pública, fiz dois anos de técnico em Administração, cursei três anos de Administração na Universidade Federal do Paraná (UFPR). Reprovei três anos seguidos em estatística. Estava infeliz com a área e tranquei o curso. Aos 15 anos trabalhei apenas meio dia em uma distribuidora de doces. Desisti na hora do almoço e liguei chorando para a minha mãe.  Depois fui empacotador de supermercado, mas saí com dois meses. Nessa época já ajudava meu padrasto como servente de pedreiro. Aos 16, fui menor aprendiz em uma multinacional (Volvo do Brasil). Depois, trabalhei num escritório de logística e fui estagiário no setor de qualidade de produção. Até os 22 passei pelo setor administrativo de mais duas empresas. Meu último emprego foi no faturamento dentro da UTI de um hospital. Hoje em dia, minha principal fonte de renda é a de servente de pedreiro. Trabalho também como promotor de eventos, ajudo minha mãe a vender mel e faço recreação infantil vestido de super-herói.

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O pedreiro gato sonha desfilar para marcas famosas na Semana de Moda de Nova York
Foto: Divulgação

Gosta do que faz?

Sou assistente de pedreiro devido à necessidade de dinheiro, por não querer mais trabalhar em escritórios, para me ajudar a emagrecer e ter flexibilidade na agenda para alavancar a carreira de modelo. Gosto porque estou sempre me movimentando. É pesado, às vezes dá vontade de desistir, mas me sinto como um artista transformando ou construindo o sonho de outras pessoas. O melhor é ver o sorriso no rosto do cliente vendo a obra fica pronta.

Como é sua rotina como servente de pedreiro? Já se machucou?

Já trabalhei de domingo a domingo, das 7h às 19h. Mas também tem períodos que folgo no meio da semana ou fico três dias sem trabalhar. É essa falta de rotina que eu gosto. Meu padrasto é um ótimo chefe, me ensina a profissão e me dá autonomia no trabalho. Nunca tive machucados graves, mas já sofri lesões musculares, cortes e arranhões. Faz parte.

Como as pessoas reagem ao vê-lo como servente de pedreiro?

Muitas ainda veem como um subemprego, dizem que eu devia procurar um trabalho em uma empresa e fazer uma faculdade para ter sucesso na vida. Mas nunca perguntam se eu estou feliz fazendo isso. Mas hoje em dia tem também as que olham com admiração e se inspiram com a minha história.

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É paquerado nas obras?

Sim, recebo algumas cantadas e gosto, levo na brincadeira. Acho que o jogo virou, não é mesmo? (risos). O problema é que às vezes acho que a pessoa está pedindo orçamento sério para um trabalho e depois descubro que o interesse era outro.

Francisco Albuquerque faz pose no meio de uma obra e mostra a mão calejada pelo esforço físico da profissão de pedreiro
Foto: Divulgação

Em algum momento teve vergonha do trabalho? Já se sentiu discriminado?

Nunca tive vergonha, sempre fiz questão de dizer que sou servente de pedreiro. Nunca fui discriminado pela profissão. Por eu ser loiro de olhos claros, mesmo sujo de massa, as pessoas me tratam com respeito quando ando pela rua. Mas tenho amigos executivos que mesmo de terno e gravata já sofreram preconceito em razão da cor da pele ou da orientação sexual. Apesar disso, ainda acredito em um mundo onde todos seremos tratados como iguais.

Como o trabalho braçal ajuda no projeto de ter o corpo perfeito exigido pelo mercado de modelos?

Desde criança fui gordinho. Como o trabalho de pedreiro exige bastante esforço físico, emagreci 20 quilos nos últimos dois anos. Saí de 105 para os atuais 85 quilos. Esse foi um dos motivos para escolher essa profissão dura, que exige o máximo do corpo.

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Sofreu bullying por ter sido gordinho?

Sofri mais comigo mesmo por não me sentir bem. No colégio sempre era rejeitado pelas garotas. E já deixei de pegar trabalhos como modelo por não ter o peso exigido.

Quando e por que teve depressão?

Foi há dois anos, o período mais sombrio da minha vida. Meu sonho naquela época era me formar na faculdade, ter um emprego e casar. Mas sabia que não ia conseguir terminar a faculdade, não seria efetivado na multinacional em que trabalhava e meu relacionamento de 5 anos estava acabando. Parei de sentir tristeza e sentia apenas um enorme vazio, falta de vontade de viver. Percebi que aqueles sonhos, na verdade, nem eram o que eu queria, só escolhas baseadas na opinião dos outros. Pensei em me matar várias vezes. O que me segurou foi ter minha mãe e minha irmãzinha. Para superar a depressão, recomecei minha vida do zero, vivendo da forma que eu queria e não baseado nas expectativas dos outros. E passei a não ligar mais para a opinião de ninguém. Larguei a faculdade, o trabalho nos escritórios e terminei o relacionamento. Fui estudar teatro e ganhar a vida como freelancer, sendo servente de pedreiro, garçom, recreador infantil, vendedor, modelo e ator.

Nos seus posts e vídeos há bastante mensagem motivacional. Pretende ajudar outras pessoas com seu exemplo de vida?

Sempre me inspirei em muita gente. E agora quero ser inspiração para o maior número possível de pessoas. Todo dia recebo mensagens de quem começou a frequentar academia, está saindo da depressão e busca viver a vida que gostaria depois de ver minha história.

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O 'pedreiro model' carrega saco de cimento de 50 quilos e, ao lado, faz pose para fotos
Foto: Nicolle Kreisch / Divulgação

Já conseguiu eliminar todas as 'pelancas', como diz nos vídeos?

Perdi muito peso sem ir para academia, apenas com o trabalho de pedreiro, corrida e alimentação correta. Ainda não tenho dinheiro para os suplementos. Acredito que a motivação tem que vir primeiro de dentro. Depois, se puder, investir em nutricionista, suplementação e academia. Como a profissão de modelo exige muito do corpo, tive ajuda de uma nutricionista. Atualmente vou para a academia e conto com a parceria de um preparador físico. Estou eliminando as últimas pelancas, O tanquinho de modelo internacional virá ainda este ano.

O que são 'Yoga de pedreiro raiz' e 'crossfit de pedreiro'?

É uma brincadeira que faço em meus vídeos executando movimentos de Yoga de forma improvisada na obra, meditando em cima de sacos de cimento ou fazendo exercícios com tijolos. Mas é algo que pratico de fato na vida. Meditação e yoga me ajudadam muito.

Quais modelos masculinos são referência para você?

Francisco Lachowski, Jon Kortajarena, David Gandy e Alessandro Pierozan. Por outros tenho admiração especial porque são modelos que saíram da 'quebrada' de perto de onde moro e foram para fora do Brasil: Diego Harmuch, João Paulo Rocha Santos e Leonardo Corotel.

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Já foi iludido por gente que prometeu sucesso fácil?

Fui iludido por uma agência quando era criança. Quando fiz meu primeiro book profissional independente, o agente disse que em seis meses eu estaria na Europa ganhando muito dinheiro. Mas ele só queria me vender mais fotos. Depois, já adulto, sempre ouvi que eu tenho ótimo perfil, só preciso entrar nas medidas e sei que isso é responsabilidade minha. Infelizmente existe falta de profissionalismo nesse meio. Gente querendo ganhar dinheiro, brincando com os sonhos das pessoas. É importante ter cautela, o retorno financeiro para o modelo pode demorar anos. A minha dica é primeiro investir em si mesmo, pesquisar na internet dicas de como virar modelo, treinar fotos e poses com o próprio celular, cuidar da alimentação e do físico, procurar parceria para fazer fotos profissionais, investir em divulgar sua história nas redes sociais e só depois procurar uma agência. E ter persistência. Nos últimos três anos levei muitos 'nãos'. Compartilhando minha história nas redes sociais conheci meu agente atual, o Junior Costa. Apareceu como um anjo na minha vida e me levou para a agência dele, a Imakers Management, para gerenciar minha carreira em busca das passarelas internacionais.

Por conta das decepções e dificuldades, pensou em desistir?

Estou abrindo mão de muitas coisas e trabalhando em outras profissões para investir nesse sonho. Mesmo assim sigo feliz por estar seguindo minha paixão. Acredito que o importante é curtir a jornada, se vou chegar aonde quero não sei, mas estou curtindo a batalha diária. A mensagem que tento passar é que, independentemente da idade ou situação de vida que nos encontramos, sempre podemos recomeçar em busca da nossa felicidade.

Qual seu maior sonho como modelo?

Pisar em Nova York. Desfilar na semana de moda de lá com as roupas que uso na obra: botina, calça e camisa sujas de cimento. Ficarei muito feliz em desfilar para marcas como Calvin Klein, Balmain, Prada, Louis Vuitton etc.

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O antes e depois do emagrecimento graças ao trabalho braçal: 20 quilos a menos e livre da compulsão alimentar
Foto: Divulgação

Você fez curso de ator? Tem DRT? Pensa em fazer TV?

Cursei um ano de teatro, estou tentando juntar dinheiro para voltar a estudar. Tenho DRT de modelo. O registro profisisonal de ator está nos meus planos. Não me vejo em novela, já fazer cinema é um dos meus sonhos.

Qual a maior dificuldade em conseguir a projeção sonhada com modelo internacional?

Sempre foi não conseguir entrar nas medidas, ter o tão sonhado tanquinho. Como passei muita vontade de comidas quando era criança, desenvolvi compulsão alimentar. Apesar de ter superado a depressão ainda lido com os reflexos físicos, emocionais e financeiros que a doença causou. Fiquei muito tempo sem forças para trabalhar e me alimentando mal. Mas não uso isso como desculpa, tenho saúde para correr atrás. Quero vencer e inspirar todo mundo que sofreu por ser gordinho, tímido ou depressivo.

O que pretende fazer e comprar quando realizar seu sonho de ser um modelo internacional bem remunerado?

Espalhar minha mensagem e viajar pelo mundo. Comprar um kit de ferramentas de 'pedreiro raiz' e um pote de Nutella de 5 quilos. Levar minha mãe, Tere, passear na Itália, e minha irmãzinha, Maria Fernanda, para conhecer a Disney. Dar uma caminhonete para o meu padastro, Francisco. Quero agradecer a todos que me apoiam. A começar por minha mãe, que dá todo o suporte. Aos seguidores das redes sociais, sempre carinhosos comigo, os meus amigos, os fotógrafos, a Roberta Obladen, meu agente Junior Costa, a nutricionista Amanda Moro, o preparador físico Paulo Rossa e a Danielle Fortkamp.

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