O Brasil se emocionou e, em seguida, demonstrou revolta com a presidiária transexual Suzy de Oliveira, entrevistada por Drauzio Varella na edição de 1.º de março do Fantástico. A frase de efeito do médico, suscitada por empatia — "Solidão, né, minha filha?" — e o abraço paternal oferecido por ele fizeram milhares de brasileiros romperem a barreira do duplo preconceito (contra detentos e transexuais) para se solidarizar com a entrevistada. A compreensão deu lugar ao horror quando o crime de Suzy foi revelado dias depois pela imprensa: estuprar e matar um garoto de 9 anos.
Boa parte do público da Globo se sentiu enganada por não ter sido informada da gravidade do delito. Igualmente surpreendido com os detalhes da condenação, Drauzio foi cruelmente atacado nas redes sociais. A emissora alegou não ter considerado relevante citar o histórico criminal da presidiária. O episódio gerou discussões acaloradas na sociedade e na web. O Terra ouviu o professor Marco Vale, coordenador do curso de Rádio, TV e Internet da Cásper Líbero, primeira escola superior de Jornalismo do Brasil, fundada em 1947. Na análise dele, a maior falha do Fantástico foi manipular a emoção do telespectador.
"Um erro comum de equipes de telejornalismo é apelar para o sentimentalismo, transformando personagens reais complexos, que vivem em realidades complexas, em personagens unidimensionais de narrativas melodramáticas", afirma.
"A direção e a edição da matéria, efetivamente, fizeram com que os espectadores achassem que a entrevistada Suzy estivesse presa por delito de menor periculosidade, como era o caso de outras entrevistadas da matéria, e não pelo assassinato tão chocante de uma criança. O público se sentiu traído e logo cobrou da emissora que fez a matéria."
O professor Vale avalia que uma das consequências de tal imprecisão na matéria pode ser o recrudescimento do preconceito. "Acaba sendo um desserviço a qualquer apelo de maior tolerância em nossa sociedade. Ao ser constatada pelo público, este tipo de desinformação estimula os intolerantes a propagar os seus discursos de ódio."
Como não cometer equívoco semelhante capaz de quebrar a confiança do público em relação a um veículo de comunicação e ao jornalismo em geral? "Penso que tanto no telejornalismo como no documentário audiovisual esse tipo de erro é evitado quando você, repórter ou documentarista, não projeta seus melhores ou piores sentimentos nos outros, que estão diante de suas câmeras e microfones", explica Marco Vale, mestre e doutor pela USP (Universidade de São Paulo) e diretor de vários documentários.
"Acho complicado quando o entrevistador ou repórter faz questão de mostrar seus sentimentos para a câmera. Existe aí uma relação narcisista do profissional de comunicação, uma vontade de mostrar uma melhor imagem de si mesmo. É sempre importante lembrar que o repórter nunca deve ser mais importante do que os personagens reais retratados. Que as emoções nas imagens emanem deles, não do repórter."