“Homens ofendem por medo ou por ódio”, escreveu Nicolau Maquiavel, autor do clássico de dominação do povo O Príncipe. Na política brasileira, muita gente poderosa teme e odeia a Globo a ponto de querer destruí-la. Parece ser o caso do prefeito do Rio, Marcelo Crivella.
Ele vetou a presença de equipe da emissora em coletiva de imprensa a respeito do caos no sistema de saúde da cidade. A direção do canal reagiu com comunicados lidos por Maju Coutinho no Jornal Hoje e William Bonner no Jornal Nacional.
A Globo classificou a atitude de Crivella como “autoritária e antidemocrática”. O gestor da segunda cidade mais populosa do Brasil, onde o Grupo Globo tem sua sede principal, segue os passos do presidente Jair Bolsonaro e do ex-presidente Lula ao declarar guerra à rede de TV mais vista e influente do País.
A diferença é que Bolsonaro e Lula não evitam as câmeras e os microfones da Globo. Pelo contrário: recentemente, pediram até para ser entrevistados no Jornal Nacional. Estão cientes da repercussão inestimável de uma aparição no canal. Seguem o ditado “se não pode derrotar o inimigo, junte-se a ele”.
Bolsonaro reduziu a verba publicitária do governo federal aos veículos do Grupo Globo, e Lula ameaçou fazer um protesto diante da porta da emissora, porém, ambos não cometeram o suicídio midiático de deixar de falar com o canal que atinge quase 100% do território nacional e tem os telejornais com maior audiência.
Além de desperdiçar a chance de usar a imensurável vitrine da Globo para falar aos seus eleitores e demais cidadãos do Rio, Marcelo Crivella ‘queima’ a própria imagem ao se colocar como impedidor da liberdade de imprensa e entrave ao direito do povo de ser informado do que acontece em sua cidade.
A TV Globo, assim como qualquer outra empresa de comunicação, não está acima do bem e do mal. Pode ser monitorada, criticada, contestada e, eventualmente, até punida por erros. Mas é inegável que produz jornalismo de qualidade, especialmente na cobertura dos problemas locais que afetam o bem-estar do cidadão comum.
Crivella acha que a emissora o persegue. Quase todos os políticos descontentes com matérias do canal dizem o mesmo a respeito de todos os veículos que os desagradam. Precisam entender, de uma vez por todas, que o papel da imprensa é investigar e comunicar suas descobertas, doa a quem doer.
O jornalismo profissional não pode poupar essa ou aquela pessoa, seja anônima ou uma autoridade, nem agir para promover alguém com intuito marqueteiro. O noticiário tem compromisso apenas com a verdade dos fatos e com seu público (leitores, ouvintes ou telespectadores).
Exibir na TV as mazelas sociais de uma cidade não é provocação ao prefeito, e sim o retrato da realidade vivida com sofrimento pelo contribuinte. Não vamos esquecer que toda emissora é uma concessão pública.
Como tal, tem a obrigação de estar ao lado do povo – e não à sombra dos mandatários que habitam gabinetes com ar-condicionado e circulam apenas em carros blindados. O jornalismo representa, assim como as urnas, a voz dos descontentes.