Na terça-feira (24), Ronan Horta realizou no Rio a edição ‘É Primavera, Te Amo’ do Terça em Movimento, evento com diferentes tipos de artes.
Apesar da agenda de gravações na TV, filmagens para cinema e shows com sua banda, o ator não abre mão de produzir ações socioculturais. “É onde nós, artistas, damos nosso grito de liberdade”, afirma.
Em Malhação – Toda Forma de Amar, Horta interpreta com vigor o temido Cabo Góes, ex-policial transformado em miliciano. O personagem representa a complexa reação da milícia com a polícia e a sociedade.
Em outro trabalho relevante reconhecido com prêmios, o ator deu vida a um religioso que promete a cura gay ao mesmo tempo em que tenta abafar a própria sexualidade.
Ronan Horta conversou com o Terra a respeito desses personagens de sucesso, da força da arte e da necessidade de cada um dar sua contribuição para um mundo melhor.
Como surgiu a ideia do Terça em Movimento?
Foi há dez anos, da necessidade de fazermos arte. Comecei junto com meu amigo Daniel Fontes, com quem fazia uma peça de teatro. A gente quis produzir um evento multicultural. Não há apoio financeiro oficial. A necessidade de realizar o evento é mais urgente do que o tempo necessário para enfrentar a burocracia exigida pelos financiamentos. É melhor ‘matar no peito’ e fazer de maneira orgânica para que tudo aconteça. Para a sociedade e os artistas, o evento é mais importante do que o dinheiro.
Como é produzir um evento assim no atual momento de radicalismos na sociedade e ataques contra a classe artística?
É de extrema importância. Essas dificuldades que estão sendo impostas a todos os artistas devem ser vencidas. A verdadeira hora de ‘ninguém solta a mão de ninguém’. Os artistas precisam se apoiar, inovar. O sistema não pode corromper a arte.
Seu personagem em Malhação representa um perfil em discussão na sociedade: o do miliciano. Qual a importância desse papel para você e a teledramaturgia?
Foi um presente para a minha carreira. Estou satisfeito em apresentar esse personagem para gerar debate. O retorno tem sido muito positivo. A milícia é uma realidade no Rio de Janeiro e um assunto que deve ser discutido. Os milicianos atuam nos lugares vazios deixados pelo Estado. O cabo Góes levanta a questão das dificuldades dos policiais no enfrentamento disso, para gerar mais segurança e dignidade a eles próprios e à população. A solução, a meu ver, será um processo lento.
Como foi a composição do Cabo Góes?
Algumas pessoas que trabalham comigo vivem em bairros gerenciados pela milícia. Conversei com elas, e o feedback é que o Estado nunca as olhou com atenção, e aí os milicianos oferecem certa justiça social. Esses cidadãos preferem se sentir mais seguros com a milícia do que inseguros com o sistema.
Como tem sido a repercussão? As pessoas demonstram medo do personagem?
O retorno tem sido ótimo. Os telespectadores estão mais conscientes de que ali é um personagem, e não o ator. Sabem fazer a distinção. Algumas pessoas, quando me veem na rua, dizem ‘nossa, você tem cara de mau’ (risos). Mas eu sou gente boa! Fico feliz com o reconhecimento positivo e, principalmente, por abrir o debate sobre o tema da milícia.
Esse é seu papel de maior destaque na Globo até agora. Como é gerir a fama?
Fama apenas amplifica o poder de se modificar positivamente as coisas. Eu canalizo essa possibilidade para fazer algo pela sociedade e levantar a bandeira da arte. Por exemplo, agora estou numa campanha contra a depressão por meio do teatro. A fama, no meu caso, serve para isso: amplificar a ajuda que posso oferecer às pessoas.
Você interpretou um pastor gay enrustido e homofóbico no curta-metragem ‘Levítico 20:13 – A Cura’, da diretora Lívia Ruas. Como foi aquele trabalho?
Rodamos o filme em Porto Alegre. Eu me inspirei no personagem do ator espanhol Javier Bardem no filme Onde os Fracos Não Têm Vez (o psicopata Anton Chigurh). O pastor Carlos tem uma clínica de cura gay disfarçada de clínica de reabilitação para dependentes de álcool e drogas. Nessa clínica aparece um cantor sertanejo famoso, com muitas fãs. O empresário acha que ele precisa ser ‘curado’ da homossexualidade. Surge também o filho do governador, que não aceita que o rapaz seja gay. Nasce uma paixão. O pastor Carlos chega a usar a tortura no processo de cura gay. Esse é um tema que deve ser explorado pela arte e mais discutido na sociedade.
Como avalia abordar a homofobia e outros preconceitos por meio da arte em um momento de tanta intolerância no País?
O que me motiva a fazer arte é seu poder de transformação para modificar positivamente a sociedade. Todos nós somos diferentes uns dos outros. Cada um tem suas particularidades. Então o diferente deve ser visto como normal. A nova geração já vem com essa consciência e a arte dá sua colaboração. É por isso que, independentemente de ter dinheiro ou não, eu insisto em produzir arte.
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