Rubens Ewald Filho: “O Oscar é como a vida, uma ilusão”

Maior especialista brasileiro sobre Hollywood analisa o momento do cinema

23 fev 2017 - 13h58
(atualizado às 14h34)

Jornalista e crítico de cinema, Rubens Ewald Filho se tornou personagem de si mesmo. A memória prodigiosa, os comentários ácidos e as ironias são uma atração à parte na transmissão do Oscar no canal TNT. Impossível imaginar a grande festa do cinema americano sem a participação dele.

Em conversa com o ‘Sala de TV’, do Terra, o santista de alma hollywoodiana comenta alguns filmes do Oscar, os preparativos para a cerimônia, a influência de Donald Trump no clima da festa e a nova geração de críticos de cinema no YouTube.

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O famoso crítico de cinema já assistiu a 38 mil filmes
O famoso crítico de cinema já assistiu a 38 mil filmes
Foto: Canal TNT / Divulgação

Novas tecnologias e mudanças drásticas no mundo não abalaram a paixão das pessoas pelo cinema. Por que ainda nos encantamos tanto com os filmes?

O cinema ganhou uma qualidade tecnológica absurda de nitidez, som, efeitos. Por outro lado, perdeu muito ultimamente. Está sendo derrotado no confronto não mais com a televisão, e sim com o streaming e, particularmente, Netflix e similares. A começar pelo preço. Agora, em Atlanta, cheguei a pagar trinta dólares no ingresso de filmes grandes em salas luxuosas com som de última geração. Mas os filmes realmente bons são poucos. A regra passou a ser: a cada semana um longa vai bem, raramente estourando de bilheteria, e outros cinco fracassam. O cinema está mudando e os estúdios perdendo a batalha. Por quê? Simples: criadores, escritores, diretores e atores estão fazendo projetos ousados e populares nos ‘Netflix’ da vida. Obviamente nem tudo o que fazem é bom, mas são o assunto do momento. Nesta época do Oscar percebe-se como faltam produções populares, de grande sucesso. E a Academia insiste deixar de fora da premiação os bons filmes de ação, como ‘Rogue One’ e ‘Deadpool’; ambos mereciam ter sido indicados. Dos finalistas do Oscar deste ano, metade é fraca e os melhores são filmes de arte, incluindo ‘La La Land’.

Mais uma cerimônia do Oscar vem aí. Você ainda sente ansiedade e expectativa?

Muito! Não imagina o quanto! E este ano precisei tirar passaporte novo, enfrentar a burocracia, e tem ainda a confusão do presidente americano... Na verdade, as ‘trumpesas’ vão interferir no clima do Oscar, já que nunca vimos antes, ao menos no meu tempo de vida, um presidente maluco assim e uma Academia toda contra ele! O mundo no geral tem piorado muito e sentimos isso também no cinema. Mais uma vez, a seleção de filmes estrangeiros é fraca, alguns muito ruins. Longas mal selecionados por uma Academia moralista e cega. Eu abomino o filme alemão (‘Toni Erdmann’), que é favorito. Parece que Jack Nicholson vai refilmá-lo e tomara que consiga consertá-lo. Comigo funciona assim, o filme precisa me emocionar. Mas tento ser o mais verdadeiro comigo e não torcer contra nem a favor. Oscar não é jogo de futebol. Não faço como certos locutores que torcem para esse ou aquele time. O que faço é compartilhar minha visão do momento em que vive o cinema e o mundo.

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Você é, sem dúvida, o maior especialista brasileiro em Oscar. Na sua opinião, a premiação continua relevante e glamourosa como nos velhos tempos?

Bom, está aí firme e forte, e outros prêmios a imitando. Veja o Critic´s Choice, que ainda é meia-boca, e o Globo de Ouro, que se mantém divertido. A Academia ousou forçando a entrada de gente nova como sócia, tentou acabar com a esnobação dos negros e conseguiu até resultados bons. Embora o problema não seja exatamente dela, mas da indústria do cinema. O filme mais representativo disso é justamente uma comédia dramática de que gostei muito, ‘Estrelas Além do Tempo’, com ótimas atrizes negras. Por falar nisso, este ano ‘capricharam’ nos títulos e subtítulos nacionais. São os piores de todos os tempos. Que ‘estrelas’ são essas? Do cinema? Do espaço? E ‘além do tempo’? Não tem cabimento. Alguém precisa reclamar dos distribuidores! ‘Cantando Estações’, subtítulo de ‘La La Land’, é igualmente ridículo. Sugiro que faça uma votação entre seus leitores para ver qual o pior e mais idiota dos títulos de filmes deste ano! (Risos)

'Estrelas Além do Tempo' e 'La La Land': bem avaliados por Rubens Ewald Filho
Foto: Divulgação / / Reprodução

Como é sua preparação para transmitir o Oscar? Assiste a todos os filmes?

Sim, assisto a todos os filmes possíveis, aqui e no exterior. Não é um grande ano de boas produções. Aliás, não tem sido grande para nada! (Risos) Então essa situação geral reflexe no cinema. Faço pesquisas sobre os indicados e sempre descubro coisas curiosas. Por exemplo, o diretor do ‘Estrelas Além do Tempo’ (Theodore Melfi) é filho de uma freira! Às vezes descubro tanta informação que nem tenho como usar na transmissão.

Qual sua relação com Atlanta, de onde é realizada a transmissão? Como é participar da transmissão estando distante de Los Angeles?

Atlanta é, atualmente, a capital do cinema nos Estados Unidos, graças a investimentos na indústria cinematográfica local. Praticamente todos os longas que precisam de locações são feitos lá. A cidade é muito grande, tem um céu belíssimo, a população negra é muito simpática, come-se bem. Dizem que tem muito brasileiro, mas raramente esbarro com algum. Bem melhor transmitir o Oscar de Atlanta. Em Los Angeles não deixam você trabalhar direito no tapete vermelho, o teatro é pequeno, parece um bolo de noiva. Imprensa não tem acesso a quase nada. Encontramos mais gente comum do que artistas. Ou seja, o Oscar é, como tudo na vida, uma ilusão. (Risos) Está mais na imaginação da gente do que na vida real.

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Neste ano a 'febre' é ‘La La Land’, de Damien Chazelle. Gostou do filme? Merece a quantidade de prêmios que tem recebido?

Na primeira vez que vi, me senti esquisito, com restrições. Aquela coreografia inicial parece coisa de filme soviético dos anos 50. O casal principal (Ryan Gosling e Emma Stone) canta baixinho. Acho que minha reação foi de susto. Mas, ao rever o filme, pensei que defendi os musicais a vida inteira, especialmente quando eram massacrados pela imprensa e vaiados nas salas de cinema do Brasil. Não posso ser canalha agora e não respeitar ‘La La Land’! (Risos) Notou que, para não elogiar Hollywood, todo mundo, até mesmo o diretor, diz que o filme é uma homenagem ao francês Jacques Demy, que fez musicais esquisitos mas interessantes, como ‘Os Guarda-Chuvas do Amor’? Isso é truque para conquistar os críticos metidos. Sabe o que me impressionou? O único musical original escrito para cinema foi ‘Gigi’, de 1958. Os outros foram adaptações da Broadway, mesmo ‘West Side Story’ e ‘Cantando na Chuva’, que não ganhou nada no Oscar. Ou seja, ‘La La Land’ representa uma raridade, ainda mais porque é uma homenagem a Los Angeles, que se sente mal amada. Os habitantes gostam da cidade, mas mal se veem ou se falam. Agora têm finalmente a chance de cantar a beleza e o romantismo do lugar. O filme tem algumas canções que fazem a gente se emocionar. Basta meia dúzia de notas e ficamos tocados, e isso é raro. Bom, quero registrar que gosto muito de ‘Moonlight’, um pequeno filme muito importante. Talvez o melhor do ano.

Nas transmissões, seus comentários bem-humorados já viraram tradição e repercutem. Você diz tudo o que pensa?

Adoraria dizer tudo o que penso... Aliás, estou revelando muita coisa nesta entrevista e nem tudo vou repetir no programa, porque tenho que me conter. Mas, às vezes, me entusiasmo, e posso até errar. Mas fica a espontaneidade.

Rubens e Domingas: ótima sintonia na transmissão do Oscar
Foto: Canal TNT / Divulgação

Como avalia a parceria com Domingas Person na transmissão?

Caiu do céu! (Risos) Nos conhecemos há bastante tempo. Ela tem ótima voz, e me dei bem com Domingas desde o primeiro momento. Não imagina como é boa essa parceria entre nós.

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Vivemos a era dos blogs e das redes sociais. Interage com os leitores do seu blog e seus seguidores no Facebook?

Muito pouco. Uso o Facebook, inclusive para postar as críticas que escrevo, e respondo todas as mensagens. Tiro foto com qualquer um que pedir. Para ser sincero, gosto de atender as pessoas.

No YouTube há dezenas de canais especializados em críticas de cinema, quase todos feitos por jovens. Como vê esse movimento?

Eles têm que aprender em algum lugar... Acerto e erro, lapidando aos poucos o estilo. É preciso que venha essa nova geração e que não cometa os mesmos erros da nossa. (Risos) Recomendo apenas uma coisa: mantenham sempre o bom humor, porque sem ele é muito difícil viver e trabalhar.

Desde 1999, com ‘Central do Brasil, o País não consegue uma indicação a Melhor Filme Estrangeiro no Oscar. O que falta para chegarmos lá?

Ih, este ano erramos feio, não? É o que acontece quando entra política no meio. Não sou político e não gosto. Na verdade, repudio. Mas o País sofre com isso. Muitas jogadas e pressões. Veja que países europeus também cometem erros. (Pedro) Almodóvar fez um filme fraco (‘Julieta’), mesmo sendo gênio. O filme francês com Isabelle Huppert (‘Elle’) ficou de fora, embora seja original, atrevido, brilhante. Por favor, alguém faça um grande filme brasileiro porque eu não quero morrer sem antes dar um grito de gol com uma vitória nossa. (Risos)

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Na última vez que contou, quantos filmes havia assistido?

Estou chegando aos 38 mil.

Já pensou em lançar uma edição atualizada do livro ‘O Oscar e Eu’? E uma biografia?

O ‘Oscar e Eu’ foi um amigo editor que teve a ideia, e vendeu tudo. Mas não fez outro. A biografia, começamos a trabalhar, mas como filme, documentário. Está andando bem devagar.

Como roteirista, você criou sucessos na TV, como a novela ‘Éramos Seis’ (SBT, 1994). Voltaria a escrever teledramaturgia ou faria um roteiro de cinema?

Neste momento, não quero fazer mais telenovela. Chega! Ajudo amigos em roteiros, mas só para trocar ideias, conversar. Assim uso minha experiência, né?

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Bette Davis, Meryl Streep e Orson Welles: ícones de Hollywood
Foto: Divulgação / / Reprodução

Pingue-pongue:              

.O melhor filme de todos: ‘Fellini Oito e Meio’, de Federico Fellini (1963).

.Uma comédia inesquecível: ‘Quanto Mais Quente Melhor’, de Billy Wilder (1959).

.O melhor musical: ‘West Side Story’ marcou minha adolescência. (Filme de 1961, dirigido por Jerome Robbins e Robert Wise).

.Um longa brasileiro: ‘Terra em Transe’, de Glauber Rocha (1967).

.Um diretor: Stanley Kubrick (‘2001: Uma Odisseia no Espaço’, ‘Laranja Mecânica, ‘O Iluminado’, entre outros)

.Uma atriz insuperável: Bette Davis no passado, Meryl Streep hoje.

.Um grande ator: Humphrey Bogart, e eu gostava de Yves Montand.

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.A personalidade do cinema que gostaria de ter entrevistado: Bette Davis e as antigas deusas que não tive idade para conhecer e chegar perto. (Risos)

.Um momento memorável do Oscar: Adorei a Jennifer Lawrence levando aquele tombo (no Oscar 2013), a distribuição das pizzas na plateia e a selfie dos atores com a Ellen DeGeneres (ambos no Oscar 2014).

.Qual ator gostaria de interpretar: O diretor Walter Hugo Khouri achava que eu tinha cara de Orson Welles! Já me chamaram para interpretá-lo numa peça. Mas recusei. Ele foi genial demais para que eu ouse imitá-lo. (Risos)

(O canal TNT transmite o Oscar a partir das 21h deste domingo, dia 26.)

Fábio Borges conta como é entrevistar as estrelas de Hollywood
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