Na edição de 12 de junho de 1983, o Notícias Populares estampou a seguinte manchete: "Peste-gay já apavora São Paulo". Outros jornais do dia davam destaque ao avanço no Brasil do que rotulavam de "câncer gay". Era assim, com homofobia e alarmismo, que a Aids começava a ser retratada pela maior parte da imprensa.
Naqueles tempos, quem recebia o diagnóstico ganhava junto uma sentença de morte. Esconder a condição de soropositivo era uma regra para sobreviver socialmente. Ninguém queria ser visto e tratado como "aidético", termo pejorativo usado por leigos e intolerantes. Quase 40 anos depois, o tratamento evoluiu e a pessoa com HIV tem uma vida praticamente normal. O preconceito não acabou, entretanto, passou a ser mais combatido no dia a dia.
Famosos que se revelam HIV+ ajudam a derrubar tabus, informar e conscientizar a população. Nesta semana, a imprensa e as redes sociais repercutem a decisão do cantor Leandro Bueno, ex-The Voice Brasil, de contar ser soropositivo. Ele está de casamento marcado com o modelo Rodrigo Malafaia, sobrinho do pastor Silas Malafaia, apoiador de Jair Bolsonaro e, assim como o presidente, crítico da homoafetividade.
"Quantas pessoas você conhece que vivem com HIV? Eu posso te afirmar que muitas, mas você não sabe. E o motivo é muito claro. A falta de informação, o medo do olhar invasivo, a falta de diálogo, a falta de empatia", escreveu Leandro no Instagram. "O maior vírus que enfrentamos hoje é o da ignorância, e assim como o HIV ele também não tem cara, nem escolhe orientação sexual."
O cantor Cazuza (1958-1990) e o galã Lauro Carona (1957-1989) foram os primeiros ídolos da TV associados à Aids. Mas a precursora na classe artística a verbalizar a soropositividade e militar pelos direitos dos portadores do vírus foi Sandra Bréa (1952-2000), uma das mais belas e talentosas atrizes da televisão. Ela comunicou sua condição na década de 1990. Fez participação especial na novela Zazá, exibida na Globo em 1997, para ressaltar a importância do amor no enfrentamento da doença.
Em 2018, a cantora e drag queen austríaca Conchita Wurst, vencedora do festival Eurovision, contou em uma entrevista ser HIV+ para se livrar da chantagem de um ex-namorado que ameaçava propagar o 'segredo' dela à mídia. Desde dentão, a performer faz ativismo em prol da comunidade LGBTQ+ e dos soropositivos.
Quem também usa a fama para defender a qualidade de vida dos portadores do HIV e de pacientes de Aids é o modelo e estilista Jack Mackenroth, ex-competidor do reality show Project Runway. Ele foi o primeiro participante a assumir publicamente a soropositividade na história do programa. Seu diagnóstico ocorreu em 1990. Está com 51 anos. "Tenho orgulho de ser um exemplo de pessoa com HIV que conseguiu ter uma vida bem-sucedida", afirma. Jack é porta-voz e garoto-propaganda de várias campanhas contra o preconceito a soropositivos.
Outras duas personalidades da TV americana também disseram "Eu tenho HIV". Destaque na primeira temporada de RuPaul’s Drag Race, Ongina contou a todos ser soropositiva após vencer uma prova no reality show de drag queens. Já o hairstylist Jonathan Van Ness, da série Queer Eye, da Netflix, comentou a respeito em entrevista ao The New York Times: "Sou um membro orgulhoso da maravilhosa comunidade HIV positiva”.
O jornalista e ator Alberto Pereira Jr., novo apresentador do Trace Trends, da RedeTV!, foi destaque na revista Veja SP, em fevereiro, ao revelar viver com o HIV há dez anos. Ele abriu a intimidade como protesto por uma declaração de Jair Bolsonaro. "Uma pessoa com HIV, além de ter um problema sério para ela, é uma despesa para todos aqui no Brasil", disse o presidente em conversa com a imprensa.
Desde 1996, o governo federal distribui gratuitamente pelo SUS (Sistema Único de Saúde) todos os medicamentos antirretrovirais indispensáveis ao controle do HIV. O Brasil possui reconhecimento internacional pela qualidade do tratamento oferecido aos soropositivos. Estima-se que cerca de 900 mil brasileiros vivam com o HIV. A epidemia está estabilizada no País. O serviço gratuito Disque DST/Aids, 0800-162550, tira dúvidas e dá orientação a respeito de prevenção, testagem e tratamento.