Sociedade ainda se espanta quando o homem pede a separação

Atitude do cantor Gusttavo Lima, que rompeu o casamento com a influencer Andressa Suita, gerou debate em programas de TV

26 out 2020 - 17h12

Os programas de fofocas falaram do assunto durante dias e dias. Aliás, o tema ainda suscita comentários em algumas atrações. A decisão de Gusttavo Lima de se separar de Andressa Suita dividiu opiniões.

O ex-casal Andressa e Gusttavo, e a psicóloga Alessandra Assis
O ex-casal Andressa e Gusttavo, e a psicóloga Alessandra Assis
Foto: Reprodução

Houve quem defendesse o sertanejo por enxergar um homem em busca da própria felicidade. Outros, como Sônia Abrão, do A Tarde é Sua, da RedeTV!, o julgaram imaturo por romper abruptamente a união. A apresentadora chegou a dizer na TV que o cantor foi “um homem covarde”.

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Para entender melhor a situação, o blog ouviu a psicóloga Alessandra Assis.

O anúncio da separação de Gusttavo Lima e Andressa Suita produziu comoção nacional. Por que a sociedade ainda se surpreende quando o homem decide se separar?

A sociedade se surpreendeu porque vivemos uma época de relações humanas superficiais, alheias a qualquer forma de comprometimento. Relações egocêntricas, descartáveis e competitivas. As famosas relações líquidas, mencionadas no livro ‘Amor Líquido: Sobre a Fragilidade dos Laços Humanos’, do sociólogo e filósofo polonês Zygmunt Bauman. Um trecho diz: “Vivemos tempos líquidos, nada é para durar”. Os seres humanos têm medo de sofrer e pensam que não mantendo uma relação estável e duradoura irão diminuir a dor, e então vão trocando de parceiros, amigos, namorados, amantes etc. Gusttavo e Andressa representavam a idealização da relação perfeita, do amor romântico. Parecia um casal de comercial de margarina. Mas ninguém é obrigado a ficar em um casamento por imposição ou por medo de julgamentos. Quando um ciclo se encerra é preciso honrar o período em que um contribuiu com o outro, e ser coerente com seus sentimentos e valores. Nesse caso, a sociedade reagiu mal. Foi como se dissesse ao Gusttavo: “Com que direito você termina esse relacionamento aparentemente perfeito?”

O cantor Gusttavo Lima suscitou discussão na TV e nas redes sociais a respeito de homens que pedem a separação
Foto: Reprodução

Muitas pessoas acompanham casais famosos pelas redes sociais e acreditam na união de conto de fadas. Separações de celebridades resultam em frustração nos anônimos?

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Sim, pois provoca desilusão nas pessoas a respeito da possibilidade do amor romântico. Contudo, nem todo mundo gosta de viver farsas ou ir contra seus princípios éticos, e talvez Gusttavo Lima seja uma dessas pessoas. A promessa “até que a morte nos separe” é cada vez menos cumprida pelos casais hoje em dia. De acordo com o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), os divórcios aumentaram 20% em dez anos. Antigamente, as pessoas permaneciam em casamentos infelizes por uma série de motivos, a começar pelo comodismo e também por receio do julgamento de familiares e amigos. Culturalmente, o homem é considerado o provedor, e ele tomar a iniciativa de terminar o relacionamento é, na interpretação geral, o mesmo que desamparar a família. O marido que resolve ir embora pode ainda ser considerado fracassado. Muitos mantêm casamentos infelizes somente por medo de se arrependerem ou de ficarem distantes dos filhos. Incontáveis vezes, o homem empurra essa decisão para a mulher a fim de evitar o peso da responsabilidade pela separação.

O exemplo de Gusttavo Lima pode incentivar outros maridos a se separar?

Sim, com certeza. Geralmente, os homens infelizes no casamento ficam na defensiva, desprezam a mulher e impossibilitam o diálogo e a cooperação. Permanecem distantes, priorizam o trabalho e os amigos. A grande maioria deles prefere uma vida medíocre a ter de enfrentar as mudanças resultantes de uma separação. Mas quem está em um estado avançado de autoconhecimento não se permite ficar em uma relação infeliz. Ressalto que é preciso muita reflexão e coragem para tomar essa decisão. Ninguém casa pensando em se separar, mas às vezes a rotina e as desavenças sobrepõem tudo o que foi idealizado e o ciclo chega ao fim.

Existe casamento perfeito?

Costumo dizer que não existe relação perfeita. O casamento é formado por duas pessoas imperfeitas que fazem de tudo para manter um relacionamento saudável. É preciso esforço de ambos os lados, muito diálogo e disposição para fazer dar certo. Normalmente, o casamento enfrenta várias crises que podem ser resolvidas quando ainda existe vínculo afetivo e empenho. Já quando um dos dois deixa de ser importante na vida do outro, vale pensar nos prós e contras de manter a relação.

Por sua experiência em consultório, pode afirmar que o machismo ainda faz o marido, mesmo infeliz, manter o casamento por conta da pressão social?

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Isso depende dos valores familiares, da religião e de outros aspectos. Antigamente era mais frequente esse tipo de machismo. Hoje em dia mudou bastante. Afinal, quando o casal não encontra motivos para continuar junto é sinal de que um ciclo se cumpriu, e alguém precisa tomar a iniciativa de dar um basta na vida a dois. Atendo casais há 25 anos e posso garantir que a decisão é dolorosa até mesmo para quem está convicto do desejo de se separar. Tenho certeza que o Gusttavo Lima não tomou a decisão naquela madrugada em que acordou a Andressa para pedir a separação, de acordo com o relato dela. Deve ser sido algo elaborado ao longo de um tempo. Talvez o cantor tenha falhado ao não compartilhar com a Andressa suas angústias e necessidades. Talvez os dois não fizeram antes os questionamentos e as intervenções que pudessem salvar a relação.

É possível manter um relacionamento sem amor?

O amor não é tudo, mas é imprescindível. Se existe amor, o que falta é compromisso e respeito, e isso pode ser resolvido quando se deseja salvar o casamento. O relacionamento para dar certo exige ser nutrido dia a dia, reforçando a amizade entre o casal, administrando possíveis conflitos e dando significado para estarem juntos. O ser humano deve compreender que suas expectativas nunca serão 100% satisfeitas. Há sempre uma face oculta quando nos relacionamos com alguém, e isso gera o conflito conjugal. Segundo o psicanalista francês Jacques Lacan, “o casamento é a união de uma pessoa que promete o que não tem para outra que não existe”. 

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