Suicídio de famosos reflete o lado cruel da masculinidade

Pressão para ser um ‘homem perfeito’ e os efeitos do distanciamento social podem gerar ou agravar transtornos emocionais

5 out 2020 - 09h46

Deprimido, o ex-Menudo Anthony Galindo preferiu dar fim à própria vida a pedir ajuda. A tentativa de suicídio gerou danos físicos e cerebrais que o mataram seis dias após o ato extremo. O venezuelano tinha 41 anos e deixa uma filha. 

Acima, o chef e apresentador Anthony Bourdain (1956-2018), visto na CNN Brasil, o ex-Menudo Anthony Galindo (1979-2020) e o vocalista do Linkin Park Chester Bennington (1976-2017); abaixo, o DJ Avicii (1989-2018) e o ator Flávio Migliaccio (1934-2020): famosos na estatística de suicídio masculino
Acima, o chef e apresentador Anthony Bourdain (1956-2018), visto na CNN Brasil, o ex-Menudo Anthony Galindo (1979-2020) e o vocalista do Linkin Park Chester Bennington (1976-2017); abaixo, o DJ Avicii (1989-2018) e o ator Flávio Migliaccio (1934-2020): famosos na estatística de suicídio masculino
Foto: Divulgação

A tragédia do cantor eleito ‘o homem mais sexy’ da televisão de Porto Rico ressalta um problema social pouco discutido: a devastação da saúde mental masculina em razão das pressões sobre o homem contemporâneo.

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Exige-se dele que seja bem-sucedido profissionalmente, uma potência sexual, parceiro ideal no relacionamento, provedor infalível da família, viril até o último fio de cabelo e forte o bastante para jamais fraquejar. Um superman.

Quem suporta tamanha imposição externa e autocobrança? Em um momento de combate à masculinidade tóxica, esquecem de considerar a vulnerabilidade do homem. O mundo evoluiu, mas ainda há preconceito contra aquele que expõe suas fragilidades e pede socorro.

O resultado é catastrófico: 75% dos cerca de 13 mil brasileiros que cometem suicídio anualmente são homens. Aqui, a taxa de mortes autoprovocadas cresceu enquanto o índice mundial caiu. No País, o suicídio tem sido a segunda principal causa de morte entre jovens de 15 a 29 anos. A faixa de 30 a 39 representa 21% dos casos.

A fama e o sucesso não impedem o surgimento da depressão, causa frequente de suicídio entre homens. Tanto é que vários artistas anteciparam a própria morte. Um caso recente, amplamente repercutido na mídia, foi o do ator Flávio Migliaccio.

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Sentindo-se decepcionado com a vida, ele se matou em 4 de maio. “Eu tive a impressão que foram 85 anos jogados fora”, escreveu em um bilhete. O veterano não se adaptou aos antidepressivos e recusou as sessões de psicoterapia. Saiu de cena para engrossar as estatísticas de homens vítimas de desordem emocional.

Para entender melhor essa anomalia social e assimilar os efeitos da pandemia de covid-19 na saúde mental, o blog ouviu o psicólogo e psicanalista com pós-doutorado pela PUC-SP Leandro dos Santos, professor da Casa do Saber.

O especialista em saúde mental alerta para o risco da autocobrança exagerada
Foto: Divulgação

Em geral fala-se pouco da depressão masculina. O que fazer para ajudar essa população que sofre calada por conta da cultura machista?

Que os homens entendam que a masculinidade não é uma competição entre machos, que pode-se ser homem e manter a sensibilidade, que a cobrança social, desde a pré-escola, não é razoável e nem tolerável, que podemos inventar modos de viver sem cobranças exageradas, que não precisamos temer exageradamente certos traços de nossa personalidade, que podemos estabelecer e manter boas relações, com nossos valores e crenças mais íntimas, respeitando o outro em sua diferença fundamental, por vezes adversário, inimigo nunca. Fazendo isso a vida parece mudar de configuração, o amor tem mais força para enfrentar o ódio e, quando não temos ódio pelo outro ou por nós mesmos, a ideia do suicídio não se agiganta. O machismo é altamente tóxico para os homens! O suicídio é só um dos sintomas dessa doença que persiste.

O público em geral fica atônico quando um artista ou personalidade de mídia comete suicídio. Imagina-se que a fama garanta felicidade e paz interior. O suicídio de famosos gera um choque de realidade?

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Na maioria dos casos aturde as pessoas, pois o artista, especialmente os mais famosos, deveriam ter e mostrar uma vida repleta de momentos felizes e realizações plenas. E é óbvio que nem dinheiro, fama, inteligência, beleza ou poder garantem definitivamente essa vida superestimada. A vida é um desenho feito à caneta, como diria o saudoso (desenhista e jornalista) Millôr Fernandes, lembrando que isso vale todos, pois ninguém desenha (a vida) com lápis e borracha, nem os artistas mais famosos.

O distanciamento social, os temores e as incertezas impostos pela pandemia de covid-19 podem gerar aumento relevante de doenças emocionais como depressão, síndrome do pânico e ansiedade?

Provavelmente sim, até mesmo porque foi um evento novo no mundo, abalando consideravelmente as pessoas e as relações estabelecidas, tanto pela incerteza como pelo desconhecimento acerca da gravidade e da letalidade da covid-19. Essas doenças ditas emocionais podem, na verdade, ser um desdobramento desse novo cenário, limitante, exigente e principalmente atordoante, pois afetou sensivelmente a rotina de muita gente. Nesse sentido, a resposta de cada um será particular, ainda que os sintomas possam ser enquadrados nessas descrições psicopatológicas que definem psiquiatricamente os fenômenos de adoecimento psíquico nos dias atuais. Para além dos rótulos, estamos falando de pessoas, que às vezes só podem expressar suas dificuldades dessa forma.

Teme-se o aumento do número de suicídios em razão do período dramático que vivemos. Essa situação global potencializa os pensamentos suicidas?

Sim, porque o suicídio caminha de braços dados com a culpa e, considerando-se a singularidade de cada caso, é bastante provável que algumas pessoas se culpem por esse desandar da vida, que foge a um planejamento prévio. Pessoas que tiveram que cancelar um casamento, por exemplo, situação tão valorizada e repleta de expectativas, mas que teve de ser simplesmente adiada para o ano subsequente. Pode-se, erroneamente, se culpar por algo assim e, somando-se a outras situações, a pessoa começa a desenvolver internamente um processo de desesperança, de descrença e autoculpabilização que pode redundar na ideia de uma saída extrema, para pôr fim a esse sofrimento incompreensível para quem observa de fora da situação.

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O que fazer para evitar doenças emocionais nessa quarentena interminável e como agir diante do surgimento de pensamentos suicidas?

Não exagerar nas autocobranças, que quase sempre vem de idealizações não alcançadas, tampouco se entregar para os pensamentos que levam para baixo, em um espiral mórbido, de culpabilizações e desvalorizações. Vale mais a pena dar um passo para trás e questionar essa idealização que fazemos de muitas coisas na vida, nos perguntando se vale mesmo a pena dar tanta importância para este ou aquele projeto, vontade, desejo ou empreitada.

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