Numa discussão passional com Walter Clark, ex-diretor da Globo e naquele momento no comando do artístico da TV Bandeirantes, Hebe solta uma provocação ao receber a ordem de se autocensurar para evitar polêmicas diante das câmeras.
“Entra lá, pega o microfone, faz o programa do seu jeito. Faz de conta que você ainda está na Rede Globo de Televisão, toda poderosa e toda certinha.”
Em outro momento, a apresentadora explica às amigas Lolita Rodrigues e Nair Bello a razão de jamais se ver trabalhando na empresa da família Marinho. “Eu tenho pavor da Globo, pavor! Eles vão me encaixotar. Não vou poder chorar, não vou poder beber, falar meu ‘puta que pariu’.”
Essas duas passagens fazem parte do filme Hebe – A Estrela do Brasil e também da série Hebe, ambas filmadas simultaneamente com Andréa Beltrão no papel da saudosa grande dama da TV.
Os dois primeiros episódios da série – disponível na íntegra na plataforma digital GloboPlay – foram exibidos em formato de longa na segunda-feira (16), na Tela Quente.
Hilário ver a representação de Hebe debochar e falar mal da Globo na própria Globo em uma das faixas de maior audiência do canal. A crítica da apresentadora se referiu ao padrão rígido imposto pela emissora a seus comunicadores antes da crescente informalidade adotada nas últimas décadas.
As estrelas globais eram obrigadas a ter um desempenho pasteurizado, sem palavrões, controvérsias nem manifestações ideológicas. Havia distanciamento da linguagem popular. O arquétipo sisudo da Globo se sobrepunha à personalidade de seus apresentadores.
Hoje, até o jornalismo do canal segue a coloquialidade e todos que atuam no vídeo gozam de liberdade para improvisar e até ousar.
Sempre autêntica e desbocada, Hebe Camargo foi precursora na desconstrução da seriedade na televisão para aproximar o veículo do telespectador.
Se estivesse na Globo atual, ela seria ainda mais rainha de si mesma. Sete anos após sua morte, faz imensurável falta à televisão brasileira que ajudou a inaugurar e consolidar.