Nada será como antes. Assim pensa a maioria das pessoas diante das transformações impostas pela pandemia de covid-19. Essa também é a convicção do ator Vandré Silveira. "Temos a chance de transformar vidas, melhorá-las", afirma. O artista mineiro, de 39 anos, aproveita o confinamento doméstico na quarentena para produzir e compartilhar conteúdo. As lives em seu perfil no Instagram são sucesso de público.
Ele interage com especialistas a respeito do bem-estar do corpo e da mente. Em destaque, as transmissões para falar de sexo. Estamos em 2020, no auge das liberdades individuais, e a sexualidade ainda gera polêmicas limitantes. "Jamais tive qualquer tabu", relata.
À distância, Vandré Silveira recebe o carinho de admiradores de seu trabalho. Ainda recebe mensagens por conta da participação especial na reta final de A Dona do Pedaço, na Globo, em 2019, e confere a projeção internacional com o sucesso de Jesus, novela da RecordTV exibida atualmente no canal argentino Telefe, com recordes de audiência.
O confinamento tem sido mais de reflexão e inspiração ou de ansiedade e tensão?
Sempre fui muito caseiro. Gosto de ficar em casa, cuidando das minhas plantas, dos meus animais (tenho dois gatos, um cachorro e um peixe betta), então para mim foi um processo mais ameno. Claro que o distanciamento social é o mais complicado. Somos seres afetivos. Na maioria do tempo, busquei ter calma e trabalhar meu equilíbrio emocional com as aulas de Ashtanga Yoga que já pratico há alguns anos e também com as sessões de psicanálise à distância. Alguns dias foram mais difíceis. Ansiedade é algo que nos acomete por não termos certezas do futuro, algo que ficou evidente com a pandemia. É como se o coronavírus tivesse nos chamado atenção para o óbvio. Que a existência humana é passageira e que o que verdadeiramente importa é a conexão com as pessoas, o amor, e a possibilidade de transformarmos vidas, e melhorá-las. Porque a matéria fica, e nós partimos.
Entre as lives semanais que tem feito, se destaca a sobre sexo. Como surgiu a ideia de discutir o tema?
Comecei fazendo a ‘Live de Quinta’ sobre assuntos diversos. Já conversei com os atores Pedroca Monteiro e André Ramiro, com o fotógrafo Sergio Santoian, com a advogada Luiza Valeri, entre outros. Mas sempre senti uma lacuna em relação à abordagem do sexo. Surpreendentemente, ainda existe muito tabu ao se falar de sexo. A 'Sexta Sexy’ tem como objetivo informar e debater sobre sexo e saúde de uma maneira leve, aberta e respeitosa. Tenho convidado sexólogas e psicólogas para debatermos temas variados relacionados à sexualidade. Nunca tive nenhum tabu. Venho de uma família que sempre tratou o sexo de uma forma saudável e fundamental para o bom funcionamento da vida.
Por falar nisso, e a vida sexual na quarentena?
Já estava namorando antes do isolamento. Então, não tive problemas com a falta de sexo.
Como é se rever na pele de Lázaro, em Jesus? O personagem mudou algo em você?
É muito gratificante rever esse belo trabalho. Li vários textos, inclusive o ótimo romance ‘O Evangelho segundo Lázaro’, de Richard Zimler, além de ter assistido a filmes. Quando faço um personagem, mergulho verticalmente. Lázaro foi um trabalho de entrega absoluta que reflete na minha atuação e na resposta do público. Recebo centenas de mensagens de fãs que admiram o modo humano, compassivo e carismático do personagem. Aliás, a novela está sendo exibida no mundo. Na Argentina está em primeiro lugar de audiência. Muito bom receber esse carinho e reconhecimento. Sempre fui um homem espiritualizado. Lázaro fortaleceu ainda mais a minha fé. O entendimento de que uma dificuldade é um desafio. Compreender que a fé surge dentro de nós e que nos torna capazes de ultrapassarmos limites que julgávamos intransponíveis.
Antes de Jesus, você tinha alguma resistência ao gênero novela bíblica? Acha que há preconceito com esse tipo de teledramaturgia?
Sou um homem que abomina qualquer tipo de preconceito. Fico sempre vigilante porque vivemos em uma sociedade com preconceitos estruturais, arraigados. O que me encanta são os personagens e as histórias a serem contadas. E Lázaro é um personagem de grande beleza e potência. Um homem que esteve morto por quatro dias e foi ressuscitado. Aliás, podemos pensar nessa ressurreição de forma simbólica. Alguém que venceu uma depressão, um vício, uma doença etc. Se alguém deixa de ver algo por preconceito, essa pessoa perde a chance de ter contato com uma obra que traria um outro ponto de vista. E são os diversos pontos de vista que nos enriquecem.
Você ganhou projeção ao viver o defensor da vilã em A Dona do Pedaço. Quais lembranças guarda daquele trabalho?
Foi um desafio maravilhoso dar vida ao Dr. Tibério, advogado da Josiane (Agatha Moreira). Me debrucei durante duas semanas sobre os roteiros para me aproximar desse homem que defende uma mulher que havia cometido vários crimes. Sempre busco humanizar meus personagens. Entendi que uma das premissas do Direito é defender quem quer que seja. Tibério assume o caso de Josiane, mas em uma determinada cena diz a ela que não deveria ter cometido os crimes. Ali ele demonstrou sua ética e humanidade. Foi fundamental para a construção do personagem. Me lembro de estar passando o texto antes de gravar e a Suely Franco (que interpretou a personagem Marlene) gentilmente se ofereceu para bater o texto comigo. Fiquei emocionado. Também fiz amizade com o grande Ary Fontoura (Antero). Tivemos boas conversas no camarim.
Tem conversado com outros atores a respeito do impacto da pandemia na carreira de ator?
Sem dúvida, o setor da Cultura tem sofrido bastante. Todos os trabalhadores dessa área estão numa situação financeira bastante complicada. Já vivemos numa sociedade que não valoriza nem a Cultura nem a Educação. Sempre fomos resistência. Os poucos incentivos públicos se esvaíram com o governo atual. Há uma visão equivocada de parte da população de que os artistas ‘mamam nas tetas’ do governo. É preciso dizer que a Cultura movimenta a Economia. Temos uma indústria criativa fortíssima que precisa de amparo público. Espero que após a pandemia, o olhar se modifique e as pessoas e o governo entendam a importância de subsídios para as produções. A Cultura constrói a identidade e a memória de um povo.
O que planeja fazer quando a quarentena acabar?
Quero muito conhecer a Argentina. Como disse, a novela Jesus está no ar por lá e vai ser maravilhoso sentir esse carinho presencialmente. Também tenho um projeto teatral, A Hora do Boi, com direção de André Paes Leme, texto de Daniela Pereira de Carvalho e direção de produção de Caio Bucker, no qual interpreto três personagens. O espetáculo aborda a relação de exploração e crueldade do homem em relação aos animais. Precisamos modificar isso, quebrar essa visão antropocentrista. Também devo gravar a série Jenipapo, no Piauí e no Maranhão. Faço um dos protagonistas. Meu personagem narra a batalha do Jenipapo (confronto sangrento da guerra da independência do Brasil, ocorrido em 1823).
Pingue-pongue:
Filme: Parasita, do diretor Bong Joon-Ho.
Série: Vis a vis (Netflix).
Documentário: Ilha das Flores, de Jorge Furtado.
Canal no YouTube: Festival estar bem, sobre práticas de saúde e bem-estar.
Livro que leu nessa quarentena: O Diário de Frida Kahlo: Um Autorretrato Íntimo (José Olympio Editora).
App: Deezer (música).