Cinco décadas depois do início da revolução sexual, a patrulha moralista ainda persegue quem fala abertamente sobre sexo.
Programas a respeito do tema sofrem tentativa de boicote de audiência, artistas progressistas viram alvo de ataques nas redes sociais, mulheres liberais ainda são julgadas, a diversidade sexual ganha poderosos inimigos.
Na contramão desse movimento retrógrado, o canal SexPrivé, do grupo Band, lança nova atração na qual se fala explicitamente a respeito de sexo aos seus quase 900 mil assinantes.
Executiva de audiovisual com carreira no exterior, Krishna Mahon faz sua estreia como apresentadora no quadro Rapidinha.
O sugestivo título diz tudo: trata-se de um espaço com dicas rápidas para aumentar o prazer. Temas dos primeiros programas: “Sexo anal sem frescura”, “Homens chegam mais rápido ao orgasmo”, “Cuspir ou engolir? Eis a questão”.
A nova estrela do SexPrivé é anunciada como a ‘única virgem’ da emissora especializada em filmes adultos brasileiros. Krishna Mahon conversou com o Terra.
A TV brasileira ainda é conservadora. Falar abertamente de sexo e prazer faz parte da libertação feminina do machismo?
Super! A televisão brasileira é muito conservadora, e a onda que estamos vivendo atualmente é ainda mais opressora. Isso afeta de forma muito negativa mulheres, LGBTs, negros, índios e adeptos de religiões não cristãs.
Dizem por aí que poucas mulheres consomem programação de filmes adultos. Isso é uma ‘lenda’?
As grandes mudanças tecnológicas do audiovisual estão historicamente ligadas ao conteúdo adulto. Isso significa que nerds consomem esse tipo de conteúdo, certo? Imagine então as mulheres (risos). Ontem mesmo estava almoçando com uma amiga, gigante da produção brasileira, e ela disse que o melhor remédio para a sua insônia é um pornô com masturbação. Claro que há mulheres com travas tão fortes que ainda não descobriram os próprios corpos, mas estamos aqui para acolher e incentivar.
Usa sua experiência pessoal no sexo para dar dicas ao telespectador?
O conteúdo é 100% meu. Não tenho roteiro, só uso os casos dos amigos e família. Juro.
Você construiu uma carreira bem-sucedida no audiovisual. Enfrentou o sexismo nessa trajetória?
Estamos todos aprendendo sobre machismo, racismo, homofobia e outros tipos de intolerância. Eu passei situações surreais, mas não sabia que o nome daquilo era sexismo. Trabalhei em grandes corporações estrangeiras e quanto mais eu subi, mais forte apanhei. O caminho de uma mulher latina miscigenada é tão diferente de um homem branco, tão mais duro, tão mais sofrido, que por muitos anos eu dizia ‘na próxima, eu venho homem’, como referência à reencarnação. Hoje finalmente eu amo ser mulher, tenho um orgulho danado e não troco por nada. Inclusive sou uma das administradoras do MAB (Mulheres do Audiovisual Brasil), que conta com mais de 20 mil membras. Ali a sororidade é palpável: nos apoiamos, conseguimos freelas e emprego uma para a outra, montamos salas de roteiro e equipes mais diversas, é o máximo!
No material de divulgação do Rapidinha, você é apresentada como ‘a única virgem do SexyPrivé’. Gostou desse título divertido?
Não é maravilhoso? E o quão interessante é ter uma mulher grisalha, que está feliz em envelhecer, falando de sexo sem pudor? Espero que alguém goste tanto quanto eu (risos).
Você saiu dos bastidores e foi para frente das câmeras. Pintou autocensura na hora de falar abertamente de sexo?
Zero. Quando morei em Belo Horizonte, no fim dos anos 70, começo dos 80, sofri muito preconceito por vir do Rio e ser filha de ‘desquitada’. Lá pelos meus 13 ou 14 anos, quando nem tinha beijado na boca, ouvia que ‘toda carioca é puta’, inclusive a mãe de um dos meus melhores amigos me disse isso pessoalmente. Se eu fosse me preocupar com o que pensam sobre mim, não tinha conquistado tudo o que conquistei. Meu foco agora é ajudar outras pessoas a chegar ainda mais longe. Não podemos acreditar no limite que nos é imposto. Além do Mulheres do Audiovisual Brasil, criei a Imprensa Mahon (uma brincadeira com o termo imprensa marrom) para apoiar pessoas do audiovisual com dicas, capacitação, entrevistas com gente do setor, enfim, todo o caminho das pedras. Nasceu no YouTube, foi crescendo sem nenhum tipo de patrocínio, segue sem fins lucrativos, mas os maiores players do merc ado já usam para falar com a ‘galera’ e conseguir equipes mais diversas. Há uns meses, através de um post de uma vaga de emprego, conseguimos um roteirista negro trans para uma sala de roteiro num desses gigantes. Morro de orgulho. Passei a amar o grupo Band ainda mais depois de saber que é inclusivo.