De ‘Simplesmente Amor’ a ‘Brokeback Mountain’, de ‘Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças’ ao ‘Porta dos Fundos’, de Steve Jobs a Tom Zé. Em ‘Eu Controlo Como Me Sinto’ (Editora Planeta), a autora Claudia Feitosa-Santana usa referências pop do audiovisual e ícones da história para discorrer a respeito da construção de uma vida mais feliz.
Mestre em Psicologia Experimental, doutora em Neurociência e pós-doutora no mesmo campo científico pela Universidade de Chicago, ela explica com linguagem objetiva como podemos direcionar a mente a nosso favor e controlar a ação emocional autossabotadora.
“Se estou muito feliz, preciso me lembrar de que momentos tristes virão. Por outro lado, se estou triste, devo pensar que vai passar”, escreve. “Precisamos treinar a mente para ganhar mais controle sobre como nos sentimos a fim de, então, termos mais controle sobre nossa vida.”
Na conversa com o blog, Claudia Feitosa-Santana avalia a influência da televisão, da mídia em geral e das redes sociais em nosso bem-estar.
É possível controlar os sentimentos negativos despertados pelas redes sociais quando somos atacados ou rejeitados a partir do que postamos?
Sim, um dos motivos pelo qual escrevi o livro, pois podemos escolher o que sentimentos e, portanto, não precisamos nos sentir atacados ou rejeitados. Precisamos refletir: qual é o sentimento mais adequado em cada situação? Por exemplo, você pode se irritar com o comentário de alguém. Vamos supor que, ao que tudo indica, a pessoa não te entendeu. Daí, você terá algumas opções como, por exemplo, responder de forma agressiva ou irônica. Mas essa postura significa apenas descontrole. Temos que lembrar que uma boa comunicação exige o corpo inteiro e não temos isso nas redes sociais. Nela, temos apenas texto e emoticons. Emoticons podem ajudar muito, mas podem não ser suficientes. Por isso, é preciso muita cautela. Se o primeiro sentimento é negativo, você precisa de tempo para se desfazer dele, ponderar melhor o que realmente está sentindo. O lado bom das redes sociais é que não precisamos responder imediatamente. Aliás, não devemos responder no piloto automático. Além disso, se você continuar se irritando com esse alguém, você pode o deixar invisível ou, até mesmo, bloquear. É preciso lembrar que não podemos agradar a todos o tempo todo. Quando postamos publicamente precisamos estar preparados para nos sentirmos inicialmente atacados ou rejeitados, um sentimento passageiro e que pode ser substituído por inquietude que pode até nos aproximar desse outro ou, talvez, indiferença. E, quem sabe um dia, gratidão.
Agora temos duas vidas paralelas, a real e a on-line, na qual muita gente é praticamente um personagem, caricatura de si mesmo. Como nossa mente lida com essa questão?
Um tremendo desafio. Quanto mais distantes são essas vidas paralelas, mais difícil para seu protagonista. Em geral, o problema não está em ser off-line e on-line, mas sim ter uma vida privada e a outra pública. Na privada, off-line, você está lá de corpo inteiro e ela é o mais próximo do seu real. Na pública, a on-line, você pode escolher o que mostrar, pode inventar algo e se distanciar mais do seu real, mas também pode mostrar demais. Eu observo alguns amigos nas redes sociais e acabo me deparando com facetas deles que me eram desconhecidas e, na maior parte das vezes, acabam sendo facetas que não me agradam, seja um posicionamento político que não concordo ou uma foto de viagem enquanto eu estou exausta de tanto trabalhar, entre muitas outras possibilidades. Reflita e você vai perceber o mesmo. Isso incomoda e nos afasta dessas pessoas. Dessa forma, sem ter muita consciência, vai se desinteressando por esses amigos e, logo, reduzindo seu círculo de amizade. Isso leva a uma solidão, e observo muita gente se sentindo assim. Somos sociais e precisamos dos outros. Viver é conviver. Precisamos sentir pertencimento e as redes sociais, infelizmente, podem reduzir muito o nosso pertencimento. Escolha os amigos que você quer no off-line, mas não quer no on-line, e vice-versa. Você pode escolher, inclusive, os grupos on-line com os quais você se identifica e sente pertencimento.
A TV aberta, os canais pagos, as plataformas de streaming e as redes sociais ocupam cada vez mais tempo na nossa vida. Buscamos apenas espairecer ou é uma fuga da realidade e da necessidade de enfrentar os problemas?
Essas plataformas podem ser ferramentas fantásticas para ampliarmos nossos conhecimentos. Porém, a grande maioria das pessoas não sabe usar. Dessa forma, elas não dominam, pelo contrário, são dominadas. Há quanto tempo o smartphone entrou em nossas vidas? Muito pouco tempo! Ele funciona como um dreno cerebral e rouba nossa atenção. Quanto mais perto ele estiver de nossas mãos, mais fácil escapamos de nossas atividades primordiais. Nosso cérebro é preguiçoso e, portanto, prefere espairecer ou fugir de seus compromissos. Mas esse comportamento traz uma angústia profunda, uma sensação de incompetência, uma eterna procrastinação. Mas dá para enfrentar esse monstro da procrastinação um passo de cada vez, pois é como enfrentar uma guerra, uma batalha por vez. Nosso cérebro quer o prazer no aqui e agora e quer sempre fugir de deixar o prazer para depois. Por exemplo, observe as crianças, elas querem o chocolate agora, antes do jantar. Infelizmente, os adultos são iguais, mas possuem mais mecanismos para entender que viver melhor implica responsabilidade. É preciso viver o presente com um olho no futuro.
Somos bombardeados por exemplos de pessoas com vida supostamente perfeita (artistas da TV, influenciadores digitais, atletas midiáticos etc.), enquanto lidamos com decepções e fracassos no dia a dia. Como nossa mente reage a isso?
Somos seres sociais e, portanto, fazemos comparação social. Nunca queremos ser menos que os outros. Portanto, ver as pessoas que aparentam perfeição é um problema. Mas a pergunta que fica é: por que, em primeiro lugar, seguir esses perfeitos? Para se sentir constantemente pior? Ou por que são modelos inspiradores a serem seguidos? Se for a última opção e a pessoa que seguimos nos inspira, ótimo! Ela é mesmo uma líder. Caso contrário, faz mal à saúde, gera frustração, inveja etc. Por isso, as pessoas precisam focar em suas vidas, um exercício de autoliderança. Quando lideramos nossa própria vida temos muito mais chances de atingirmos mais bem-estar. Importante notar que a comparação pode ser muito prejudicial com as pessoas que são mais próximas, ou seja, você está muito mais propenso a sentir inveja da viagem ou do sucesso de um amigo do que de uma pessoa famosa. Esse aprendizado é fundamental para saber quem você quer ou não seguir nas redes sociais.
Na novela ‘Um Lugar ao Sol’, da Globo, o protagonista Christian (Cauã Reymond) passa em cima de qualquer um para garantir espaço privilegiado no mundo. Muitas pessoas tentam o mesmo. Como a mente pode nos ajudar a conquistar um lugar sem ferir a ética?
Não temos garantia que conquistaremos o lugar sonhado com ética. Reside aqui nossa escolha: viver eticamente ou não –independentemente do resultado. O mecanismo do autoengano faz com que as pessoas se comportem sem ética, mas sem enxergar que estão sendo antiéticas. A ciência conhece esse mecanismo e nos mostra que precisamos estar atentos a ele. Mas como? Entendendo melhor como nossa mente funciona, compreendendo nossos vieses inconscientes que funcionam como pontos cegos. Uma vez desconstruídos passam a ser vieses conscientes e, dessa forma, não conseguimos mais esconder embaixo do tapete uma postura que fere a ética.
Muitos programas de TV pregam a busca incessante pelo bem-estar e apresentam inúmeros métodos e filosofias para isso. Afinal, a felicidade tem fórmula?
Fala-se muito de felicidade. Por quê? Porque ninguém sente saudade de sofrer. Ninguém se sente bem quando está mal. Buscamos o contrário do que nos atormenta, seja a tristeza ou qualquer outro sentimento ruim. Mas, se buscarmos muito ser felizes, podemos acabar ficando muito pior. Querer ser feliz a todo instante é uma obsessão da nossa sociedade, mas uma tarefa impossível para o cérebro. E causa frustração. Nosso mundo é feito de contrastes, e nós somos máquinas de detectar diferenças. Portanto, é preciso sentir a tristeza para valorizar a felicidade, conhecer o desamor para reconhecer o amor. Nossa vida é construída de momentos consecutivos, que podem ser mais ou menos contrastantes. Ou seja, há instantes de felicidade e tristeza, de bem-estar e mal-estar, e assim por diante. Por isso, o melhor é chegar mais próximo do ponto em que as diferenças são suaves, mais ao meio, onde há menos oscilações gigantescas. Isso porque, quanto mais perto dos extremos, maiores são as oscilações. Um bom exemplo é o da euforia e da depressão. Se você atinge níveis altos de euforia, as chances são de que, em seguida, caia no outro extremo, que é a crise depressiva. É como viver numa montanha-russa. Por isso, a neutralidade pode parecer sem graça, mas passa a ser mais atraente se deixamos de pensar em felicidade e optamos pela construção de uma vida mais feliz. Felicidade é um momento, e viver em função de um momento é viver no curto prazo. A vida feliz é uma construção e, assim, é um projeto de longo prazo. A ciência aponta os ingredientes para que possamos construir uma vida mais feliz, como a gratidão, a resiliência, o trabalho, a responsabilidade, o carinho com o corpo que precisa dormir e se exercitar, dentre outros ingredientes. Porém, cabe a cada um elaborar sua própria fórmula.