Taís Araújo (Raquel) no lugar de Regina Duarte. Bella Campos (Maria de Fátima) no papel que foi de Gloria Pires. Antônio Pitanga (Salvador) no personagem de Sebastião Vasconcellos. Belize Pombal (Consuelo) substituindo Rosane Gofman.
Estas são algumas escalações de atores negros para interpretar personagens que eram brancos na versão original de ‘Vale Tudo’, de 1988. O remake com estreia prevista para março terá outras trocas de perfil racial.
A Globo agora leva a sério a ampliação da representatividade de pardos e pretos (termos usados pelo censo do IBGE) em sua teledramaturgia após décadas restringindo negros a papéis de escravos, empregados domésticos, criminosos e outros coadjuvantes, às vezes, com função cênica pejorativa.
As exceções, como a arquiteta bem-sucedida Sônia, vivida por Zezé Motta em ‘Corpo a Corpo’ (1984), a modelo famosa Helena, defendida por Taís Araújo em ‘Viver a Vida’ (2009), e o designer sedutor André, interpretado por Lázaro Ramos em ‘Insensato Coração’ (2011), são lembradas pelo racismo sofrido pelos atores fora da TV.
Nos remakes de ‘Pantanal’ e ‘Renascer’, alguns papéis de brancos foram entregues a atores pretos e, por isso, causaram certo ruído, mas nada a ponto de afetar a audiência. A excelência das atuações se sobrepôs ao estranhamento inicial.
Na nova ‘Vale Tudo’, a alteração étnica de Raquel e Maria de Fátima suscita dúvida sobre o perfil da grande vilã da novela, Odete Roitman (Débora Bloch, provavelmente). Na trama, a milionária antes vivida por Beatriz Segall é abertamente racista e coopta como aliada a jovem ambiciosa, que também manifesta desprezo por pretos em algumas cenas. Como isso acontecerá com Bella Campos no papel?
Houve reações negativas nas redes sociais devido ao temor de que Manuela Dias, responsável pela adaptação do script, suavize o tom politicamente incorreto de Odete, uma das principais qualidades do folhetim justamente por provocar debate a respeito de questões sociais relevantes.
Aliás, pasteurizar o racismo, o machismo, a aporofobia (preconceito contra pobres) e outros traços polêmicos seria um erro imperdoável dos roteiristas. A criação magistral de Gilberto Braga, Aguinaldo Silva e Leonor Bassères pode ser contextualizada aos tempos atuais, porém, sem perder a força provocativa e o despudor original.