Cortes de beijos gays na Globo podem ter a ver com poder crescente de evangélicos

Canal produz marketing negativo ao censurar várias cenas de afeto enquanto propaga ser uma empresa pró-diversidade

4 jun 2023 - 10h55

A Globo entra em junho, o Mês da Diversidade, com a imagem arranhada. Apesar de propagar compromisso com a inclusão, o canal pratica uma autocensura nociva à sua reputação e à comunidade LGBTQIAP+.

Nas últimas semanas, a direção de teledramaturgia cancelou a exibição de alguns beijos na boca entre personagens gays e lésbicas em novelas e séries.

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A decisão de gravar e não exibir lembra o que ocorreu em ‘América’, de 2005: o Brasil parou diante da TV para ver o anunciado beijo entre Júnior (Bruno Gagliasso) e Zeca (Erom Cordeiro).

Mas, horas antes de o último capítulo ir ao ar, a cúpula da emissora ordenou o corte da sequência de afeto. Frustrou não somente o público. A autora Gloria Perez também se manifestou contrariada.

Quase 20 anos depois, a Globo volta a ser assombrada pelo conservadorismo que diz combater. O que um beijo entre pessoas do mesmo gênero pode representar de tão grave?

Por que mostrou sequências do tipo em ‘Mar do Sertão’ (2013), ‘Bom Sucesso’ (2019), ‘Sob Pressão’ (2019), ‘Orgulho e Paixão’ (2018), ‘O Outro Lado do Paraíso’ (2018) e ‘Malhação’ (2017), e adota postura contrária no momento?

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A conclusão óbvia é que o canal não quer desagradar ao telespectador evangélico. Há um esforço em ampliar o diálogo com o público das igrejas para garantir a liderança de audiência. Segundo projeção, esse perfil de religioso vai superar o número de católicos no país em 2032.

A emissora sempre teve boa relação com o alto clero do Catolicismo e ruidosos conflitos com líderes evangélicos e protestantes. Agora, sinaliza a intenção de estabelecer uma relação cordial com a futura maioria. Afinal, negócios são negócios.

Exibir festivais de música gospel e produzir uma novela com protagonista evangélica (a bem avaliada ‘Vai na Fé’, alvo de alguns dos cortes de beijos gays após uma cena romântica entre dois rapazes) faz parte da tentativa de se aproximar dos religiosos que sempre enxergaram a Globo como um risco aos pilares da ‘família tradicional’.

Em 31 de janeiro de 2014, o canal líder no Ibope fez história ao mostrar o beijo na boca entre os apaixonados Félix (Mateus Solano) e Niko (Thiago Fragoso) no desfecho de ‘Amor à Vida’. O retrocesso atual é desastroso para a imagem da TV do clã Marinho.

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Como o próprio Solano disse em um podcast ao analisar aquela cena, a Globo “só vai querer aquilo que dê retorno para ela”. No momento, surpreendentemente, a emissora indica ter mais interesse em acenar aos conservadores do que à turma defensora de toda forma de amor.

No próximo dia 26, o canal vai transmitir novo episódio do especial ‘Falas de Orgulho’. O programa tem o objetivo de conscientizar o público contra a homofobia e a transfobia, entre outros preconceitos relacionados às identidades de gênero e sexual.

Diante da censura a inofensivos beijos, a atração cheira a oportunismo para ‘ficar bem na fita’. Se tem dúvida sobre exibir ou não um gesto de carinho entre LGBTs, melhor nem gravar. Essa desastrosa dubiedade da Globo deixa um gosto amargo na boca.

Vini (Guthierry Sotero) e Yuri (João Paulo Campos) em 'Vai na Fé': após a repercussão do primeiro beijo, o segundo foi censurado
Vini (Guthierry Sotero) e Yuri (João Paulo Campos) em 'Vai na Fé': após a repercussão do primeiro beijo, o segundo foi censurado
Foto: Reprodução
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