Danieli Haloten (45) ficou marcada na teledramaturgia brasileira como Anita, personagem que conquistou o público de Caras e Bocas, novela de Walcyr Carrasco (73) que voltou a ser exibida pelo canal Viva. A trama foi o primeiro e único trabalho de Danieli como atriz na televisão — a ex-intérprete enfrentou dificuldades para conseguir novas oportunidades no meio. Em entrevista à CARAS Brasil, ela fala sobre revisitar o passado com reprise e comenta objetivos na nova carreira: "Parece que foi em outra vida", declara.
Do jornalismo à atuação
Antes de se tornar atriz, Danieli se formou em Jornalismo e iniciou sua carreira apresentando programas de TV em sua cidade natal, no Paraná. Mas o desejo de atuar falou mais alto e ela decidiu correr atrás do sonho.
O que parecia uma tarefa complicada se tornou mais fácil quando, por engano, Danieli recebeu uma lista de contatos de autores de novelas encaminhada pela professora de seu curso de teatro. "Por que não?", pensou, antes de enviar seu currículo e contar um pouco da sua história para todos eles. A resposta veio de Walcyr Carrasco, que criou a personagem Anita especialmente para ela.
Com o papel em mãos, a jovem curitibana, na época com 28 anos, deixou sua cidade natal e embarcou rumo ao Rio de Janeiro, acompanhada de seu cão-guia, o labragolden caramelo Higgans. Nos bastidores do Projac, porém, nem tudo foi fácil.
"A maioria dos atores me tratava muito bem, mas o pessoal da produção não queria que eu estivesse ali. Os maus tratos vinham mais de quem trabalhava nos bastidores: produtores, cabeleireiros e maquiadores. Um ou outro ator me tratava mal, mas a maioria dos atores parecia me aceitar e não ter preconceito", relembra.
Danieli recorda que parecia haver um desconforto pelo destaque de sua personagem na trama e pela presença de Higgans, seu cão-guia: "Reclamavam muito dele, até que arrumaram uma salinha para ele ficar preso enquanto estávamos gravando".
Mesmo enfrentando resistência, ela seguiu em seu papel na trama até o fim. A princípio, o cão-guia ficou confinado em seu espaço próprio nos estúdios, mas logo perdeu o local para acomodar o bebê recém-nascido de Ingrid Guimarães (52), que não poderia dividir o espaço com o animal treinando.
Danieli afirma que foram situações e tratamentos como esse que deixaram claro o caminho árduo que ela precisaria trilhar se seguisse na atuação.
Falta de representatividade real
Após o fim de Caras e Bocas, Danieli encontrou um obstáculo comum a muitos atores com deficiência: a limitação de papéis. "Sempre me falavam: 'Mas você já fez personagem cega', 'Já teve uma personagem cega na última novela'. Como se isso significasse que eu não poderia interpretar qualquer outro papel", critica.
Para ela, a televisão ainda falha em abrir espaço para atores com deficiência. "Podemos ter uma cega vilã, uma cega engraçada, uma cega mocinha, uma cega perua. Mas o mercado sempre me enxergou como um único tipo de personagem".
Essa falta de oportunidade também se reflete nas escolhas de elenco: Danieli lamenta que papéis de personagens com deficiência sejam frequentemente dados a atores sem deficiência, como o interpretado por Sophie Charlotte (35) em Todas as Flores ou por Alinne Moraes (42) em Viver a Vida. "Disseram que a personagem de Todas as Flores precisava ser interpretada por uma atriz vidente porque, no fim da novela, ela voltaria a enxergar. Mas por que não gravar essas poucas cenas com outros recursos?", questiona.
O mesmo aconteceu com personagens com deficiência em outras produções. "Se a ideia é mostrar um personagem que no início da história anda e depois fica tetraplégico, há muitas maneiras de fazer isso sem excluir um ator que realmente usa cadeira de rodas", fala sobre a escolha de Alinne Moraes no papel de Luciana.
Uma nova fase
Sem espaço na dramaturgia, Danieli decidiu recomeçar. Fez faculdade de Direito, passou na OAB e hoje trabalha como conciliadora no Tribunal do Trabalho. "Eu adoro! Meu objetivo agora é crescer na área jurídica", afirma. A advogada conta que, para o futuro, almeja atuar como assistente de um desembargador ou juiz — para isso, ela precisa ser convidada por algum nome do meio e aguarda ansiosa a oportunidade.
Apesar das dificuldades comuns a todo trabalho, ela revela que se sente acolhida em seu novo ambiente e área de atuação. A ex-atriz relembra que, em um feriado, precisou ficar responsável por seguir com as audiências e conseguiu realizar as demandas sem nenhum problema: "As pessoas confiam na minha capacidade", celebra.
Agora, sua relação com a comunicação se dá de outra forma: compartilhando conteúdos informativos sobre acessibilidade e direito em suas redes sociais e canal do YouTube. "Não tenho nenhum convite, mas adoraria participar de um programa na TV Justiça para falar sobre direito. Essa área é meu foco agora".
Mesmo distante das telinhas, ela segue levantando a bandeira da inclusão e da representatividade. "Eu sempre vou falar sobre acessibilidade e a importância de oportunidades para pessoas com deficiência. Mas, sinceramente, a gente cansa. Faço isso no meu tempo livre, porque ainda há muito a ser dito e mudado", conclui.